Uma das melhores séries de comédia da Netflix é, sem sombra de dúvidas, Sex Education. A produção estrelada por Asa Butterfield e Gillian Anderson conseguiu estabelecer uma boa base de audiência, entregando uma trama que consegue agradar diversas faixas de público por tratar de temas tabus sem perder a irreverência.
No terceiro ano, vemos Otis (Butterfield) num estágio bastante diferente na sua trajetória rumo à vida adulta. Com um bigode mais do que cafona, o protagonista está em um caso com a garota mais popular do colégio após o desentendimento com Maeve (Emma Mackey), enquanto sua mãe Jean (Anderson) não consegue encontrar uma forma de revelar sua gravidez ao ex-namorado.
Auge da representatividade
Não há muito que acrescentar sobre os novos episódios de Sex Education em relação à estrutura narrativa, ao tipo de humor e à profundidade dada aos personagens. Esses sempre foram pontos fortes da produção e estão devidamente mantidos. No entanto, há uma clara adequação no discurso para repercutir pautas globais da sociedade liberal.
Pro lado que julgamos bom, há uma expansão da representatividade já existente na trama com a discussão de gênero e sexualidade dosando entre a subjetividade e o didatismo nos diálogos. Essa mescla é importante para que a série da Netflix não soe panfletária, o que afastaria os espectadores ávidos por uma história interessante – ao invés de uma causa para militar. Não que isso seja errado, mas talvez tenha sido por não encontrar seu tom que a fraca Sense8 tenha sido cancelada.
Se nas duas primeiras temporadas já víamos o diretor Groff (Alistair Petrie) como uma figura reacionária, foi uma ótima sacada trazer Hope (Jemma Kirke) para assumir a direção do colégio e aumentar ainda mais o conservadorismo do local como resposta à má fama adquirida pela escola em relação aos escândalos sexuais. No começo, ela chega como uma pessoa jovem e descolada, contagiando a todos. Mas aos poucos vendo suas verdadeiras intenções.
Essa parte serve como um balão de ensaio para observarmos como movimentos autoritários surgem. Primeiro é colocada alguma imposição como resposta a uma situação de dificuldade. Aos poucos, direitos passam a ser cerceados e pessoas a serem divididas. Quando menos se espera, a repressão está montada. No colégio, isso se dá quando a padronização de uniformes passa a ser uma obrigação, assim como a proibição de acessórios adorados pelos jovens como piercings e correntes. Quem deveria lutar contra isso – os alunos – encontram neles mesmos alguns que irão corroborar com o sistema em busca de alguma ascensão ou aceitação social.
Mora nesse tema o melhor desta 3ª temporada. De um lado, temos personagens que naturalmente não se encaixam nesses padrões como Cal (Dua Saleh) e Layla (Robyn Holdaway). Do outro, temos um mercado que cada dia mais não aceita que as pessoas sejam tratadas de forma desrespeitosa, como, por exemplo, através de imposições que ignoram suas orientações de sexo e gênero.
So excited to finally be able to share Layla's story with y'all. It was an incredible experience, made all the more wonderful by my nonbinary sibling @doitlikedua .
Enjoy! #Sexeducation #SE3 #T4T pic.twitter.com/YNIB7JqscT
— Robyn Holdaway (@RobynHoldaway) September 17, 2021
O roteiro lança mão de uma sutileza ímpar ao tratar do relacionamento de Cal (à direita na imagem acima) com Jackson (Kedar Williams-Stirling). É uma forma mais ampla de dar significado às descobertas da adolescência e da inocência inerente a essa etapa da vida. Claro que nem todas as pessoas seriam tão isentas de maiores preconceitos como Jackson, mas é uma bela amostra de como se pode trabalhar pautas pertinentes sem forçar a barra.
O coração de Sex Education
Como é muito difícil ficar com um olho no peixe e outro no gato, o leque de narrativas dentro de Sex Education acaba prejudicando o que seria a trama principal, que é a dinâmica de Otis e sua mãe, Jean. Após descobrir uma gravidez ao final da 2ª temporada, a personagem de Gillian Anderson decide ir adiante nessa situação, reatando sua relação com Jakob (Mikael Persbrandt). As idas e vindas desse núcleo (que também envolve Ola, filha de Jakob interpretada por Patricia Allison) podem cansar um pouco o espectador.
O romance de Otis e Maeve (Emma Mackey) segue nessa mesma toada, se assemelhando a uma comédia de erros em alguns momentos. O lado bom da não definição desse envolvimento é o indicativo de que a série deverá contar com muitas temporadas ainda.
Dentre as outras narrativas que mencionei vale destacar a de Eric (Ncuti Gatwa), amigo de Otis e namorado de Adam (Connor Swindells), que é o personagem mais cativante do programa. Também temos o diretor Groff tentando reencontrar a si mesmo e corrigir os erros do passado. Até a garota mais popular do colégio ganha sua dose de profundidade na 3ª temporada.
Tudo isso para mostrar que as coisas não são exatamente como aparentam. Muitas pessoas se escondem do mundo à sua maneira e a adolescência é um prato cheio para isso. A grande sacada da série, porém, é expandir e espelhar essa invisibilidade (voluntária ou não) para além dos alunos.