Vila-Matas mostrando morte como impulso do viver em Suicídios Exemplares
Morrer é a absoluta certeza da vida. Aquele acontecimento derradeiro que pode nos levar para outro lugar ou para lugar nenhum, de acordo com nossa crença. Escolher a hora e a maneira como a morte deve chegar é um dos grandes tabus humanos, um assunto onde há o medo de se proliferar uma trágica tendência e que carrega também uma grande reprovação e julgamento social para quem pratica tal ato.
A princípio é isso que deve nos atrair em Suicídios Exemplares, livro de contos do espanhol Enrique Vila-Matas. Um tema tabu como esses escrito por um autor renomado atrai a ousadia por conhecimento (afinal, como um suicídio pode ser exemplar?), mas conforme a leitura nossa percepção muda consideravelmente acerca da proposta: pensar na morte, ou melhor, pensar em morrer, é algo que pode estar presente de diversas e significativas formas na vida.
“À morte lhe cai bem a tristeza leve de uma severa espera”
O envolvimento com a morte é a linha que conduz esses contos de Vila-Matas. São dez histórias abrangendo os mais variados perfis. Em “Morte por saudade” conhecemos um homem incapaz de terminar o que começa e seu envolvimento com a trágica família de Horácio, seu amigo de infância. “Em busca do parceiro eletrizante” mostra a bizarra trajetória de Brandy Mostaza, um ator em decadência que busca recuperar sua glória passada através de um parceiro para emular uma espécie de O Gordo e o Magro. “Rosa Schwarzer volta à vida” tem como protagonista Rosa, uma mulher relembrando seu 50º aniversário, trabalha num museu, é traída pelo marido e desprezada pelos filhos. Ela se depara com diversas oportunidades de se matar ao longo do dia, mas em cada uma dessa Rosa encontra um motivo para continuar vivendo.
Um conto melhor que o outro. Esses personagens cansados, vividos e machucados são de identificação singular com qualquer um de nós leitores que se questionam a respeito das coisas, seja a vida ou algo banal corriqueiro. E o que causa um grande ar de novidade em tudo aqui (além da narrativa envolvente) é justamente tratar de algo que dificilmente conseguimos conversar abertamente com as pessoas do nosso cotidiano, o que é uma pena, já que nessas histórias são figuras que encontram justamente na morte impulso para viver.
O único filtro a ser usado como alerta em Suicídios Exemplares é o da ameaça. Os personagens dos contos são geralmente pessoas maculadas que demonstram peculiar fascínio com a morte, tendo alguns ameaçado (e até tentado) o ato fatal. Nesse caso precisamos entender o tom cômico do autor, já que em nosso cotidiano não podemos encarar ameaças como um blefe ou fazer piada por “não serem capaz nem de conseguir por um fim à própria vida”.