O livro de contos de J. J. Abrams
Cloverfield – Monstro (2008) foi um filme peculiar para sua época. Muito bem promovido através de virais na internet, a produção de J. J. Abrams dirigida por Matt Reeves entregava uma mistura agradável de Godzilla (criatura gigante), câmera amadora (Bruxa de Blair, Atividade Paranormal) e uma turma de amigos em Nova York cheia de relações entre si, no maior estilo sitcom americano (Friends, How I Met Your Mother).
A continuação não saiu, mas secretamente (e sob a tutela de J. J.) foi filmado Rua Cloverfield, 10 (10 Cloverfield Lane, 2016). Mesmo não sendo uma sequência, o filme é ambientado no mesmo universo do seu “primo mais velho”, dando um pontapé no que aparenta ser uma nova forma de mundo compartilhado no cinema blockbuster.
Sinopse: Após um acidente de carro, uma jovem acorda em uma adega subterrânea, onde se passa a maior parte das ações. Ela teme que tenha sido sequestrada por um sobrevivencialista, o qual fala para ela que ele salvou sua vida e que um ataque químico deixou o mundo inabitável. Sem saber no que acreditar, ela decide que precisa escapar, independente dos perigos que ela possa encontrar lá fora.
Rua Cloverfield, 10 é limitado. Mas isso não é exatamente um problema, pois a proposta do filme é exatamente essa. Cerca de 90% da duração se dá no Bunker construído por Howard (John Goodman), logo após a impactante cena do acidente inicial envolvendo Michelle (Mary Elizabeth Winstead, a Ramona de Scott Pilgrim). Para um filme tão fechado é obrigação dos atores entreterem o público de forma digna, e o roteiro de Damien Chazelle (Whiplash, 2014) colabora nesse sentido.
Por mais que Emmet (John Gallagher Jr.) seja apenas um personagem funcional e sem brilho próprio, a dupla Goodman/Winstead dá conta do recado. O primeiro está muito à vontade como um veterano paranoico, se dando liberdade até para momentos sarcásticos tornando a experiência bizarramente mais divertida (“eu sei que pareço um cara normal, mas…”). O ator é praticamente um dinossauro dos cinemas atuando desde 1983 em geral como coadjuvante nos projetos (Se Beber Não Case 3, Argo, O Vôo), mas dificilmente você já viu um John Goodman como esse. Já Winstead se coloca a disposição para novas histórias com Michelle, tendo boas chances de se tornar mais uma importante personagem feminina de peso nas telonas caso seja bem aproveitada (a conferir).
O problema desse Cloverfield é o direcionamento. Ao se incumbir de mostrar a relação entre três pessoas muito diferentes dentro de um bunker depois do aparente fim do mundo, a recompensa é entregue ao expectador de forma errada, e a cena com o ácido sintetiza isso. Após todo suspense e agonia, o destaque maior no desfecho fica por conta da luta contra alienígenas recém apresentados, sem tempo para o público criar qualquer sentimento a respeito. Que tal se mostrasse o quão desfigurada ficou a aparência de Howard depois da briga com Michelle? Faltou ousadia estética para quem trabalha tanto com efeitos visuais. Fica a dica para a Bad Robot, caso o Blu-Ray contenha cenas deletadas.
É clichê dizer isso, mas veja Rua Cloverfield, 10 no cinema. A experiência é mais imersiva na telona, com o volume alto e os elementos de suspense deixando tudo impactante. O filme precisa desse recurso para ganhar a nota atribuída.