O palco da San Diego Comic-Con veio abaixo com o anúncio de que Robert Downey Jr. está de volta aos filmes da Marvel Studios. E não é para menos: a presença do astro marcou época nos filmes de super-heróis, trazendo das cinzas um ator visto como problemático pela indústria e que estava fadado ao esquecimento por suas questões adictas. Desde “Homem de Ferro” (2008), longa produzido com um viés quase independente sob o comando de Jon Favreau, que bancou Downey como Tony Stark, papel que o eternizou na história do cinema (algo que até o mais ácido hater acaba tendo que engolir), até a épica conclusão de Vingadores: Ultimato (2019) dirigida pelos irmãos Joe e Anthony Russo, o que os fãs acompanharam foi a construção do maior evento cinematográfico de todos os tempos. Doa a quem doer.
Certo, mas por que tirar do fundo da gaveta das más ideias a cartada de trazer Robert Downey Jr. interpretando agora um vilão, Victor von Doom (o Doutor Destino), se ele fez seu nome como um herói?
Pelo simples motivo de que a Marvel precisa desarmar a bomba criada por ela mesma. Depois de “Vingadores: Ultimato”, o Universo Cinematográfico da Marvel entrou em claro declínio pelas apostas do estúdio, visando expandir suas franquias para atender demandas impossíveis. A banalização dos super-heróis veio forte enquanto a Disney pensava estar com um prato cheio para abastecer seu catálogo no serviço de streaming Disney+. Acontece que a cada série ruim ou mediana lançada, mais um imbróglio narrativo era criado.
Uma prova cabal do fracasso dessa vertente ligada ao streaming foi quando “As Marvels” chegou aos cinemas. Não havia mais pandemia para justificar qualquer fracasso de bilheteria, mas ainda assim o que tivemos foi um vergonhoso montante de US$ 206 milhões arrecadados para um orçamento estimado em US$ 220 milhões. Isso significa um retumbante fracasso e prejuízo enorme para os cofres da casa do Mickey. E coloco as séries nesse balaio pois, ao dividir o protagonismo de Brie Larson (Carol Danvers) com outras duas estrelas das séries (Kamala Khan de “Ms. Marvel” e Monica Rambeau de “WandaVision”), claramente a repercussão do filme perdeu sua força – e o que estava ruim estragou de vez: pois ninguém parece mais interessado em “Invasão Secreta”, “Loki”, “Eco”…
A Marvel Studios acabou criando um problema semelhante ao dos quadrinhos: as pessoas que se interessam não sabem bem por onde começar, e a qualidade do que é lançado já não é das melhores.
Multiverso da Marvel deu errado
Contribuiu para essa banalização também o fator “multiverso”. Afinal, que importância eu vou dar para o que estou vendo se há outras dezenas de milhões de versões daquilo? “Doutor Estranho no Multiverso da Loucura” (2022) tentou agradar o fã nerd mostrando essa infinidade de personagens como se em todo filme fosse fácil replicar a super batalha de “Vingadores: Guerra Infinita” e “Ultimato”, e o fan service acabou saindo pela culatra. Afinal, uma coisa é vermos versões do Homem-Aranha já apresentadas no cinema dividindo a tela, outra é reunir uma equipe capenga dos Illuminati da Marvel para morrer em poucos minutos.
Com a especulação persistindo, quem se beneficia é a Marvel
Robert Downey Jr. de volta significa ter a comunidade geek falando sobre a Marvel, e até as críticas negativas a respeito dessa decisão vão ajudar nesse momento, pois o que a Disney precisa mesmo é estar na boca do povo e sair do esquecimento, para depois dar os passos seguintes.
Mas o que vai muito ser dito por aí é o como, no final das contas, o vilão pode ser uma variante do Tony Stark de outra realidade. “Infamous Iron Man” (escrita por Brian Michael Bendis, com arte de Alex Maleev), que foi publicada entre 2016 e 2017, trazia o ditador Victor Von Doom deixando de lado sua atuação como Doutor Destino e assumindo o manto do… Homem de Ferro. É fato que os quadrinhos já trouxeram diversas e absurdas versões de tudo o que você possa imaginar, então os produtores de conteúdo e especuladores de plantão terão agora bastante material para falar sobre a Marvel – e engajar com o público.
Irmãos Russo: o retorno de quem realmente entende do riscado
Já tendo o ator, o lastro nos quadrinhos e a munição para os marvetes especularem… faltava então o “como” realizar esse plano com sucesso. Nada melhor, então, do que resgatar quem realmente provou saber trabalhar com toda a bagunça que é o MCU: Joe e Anthony Russo. Foram eles que entregaram o job perfeito, amarrando os arcos de “Thor: Ragnarok” com a chegada de Thanos à Terra, o envolvimento do Doutor Estranho, a ambientação em Wakanda, o épico confronto final pela manopla… foi quase tudo perfeito e os fãs possuem a confiança e gratidão com o trabalho entregue. Eles serão os diretores de Avengers: Doomsday e Avengers: Secret Wars, que chegam em 2026 e 2027, respectivamente.
Pra Marvel é bom, mas pro Robert Downey Jr. pode ser melhor
Você pode se perguntar, no entanto, por que RDJ toparia participar dessa empreitada mesmo com o envolvimento dos Russo. Ele já escreveu seu nome na história, deu a volta por cima e financeiramente está (suponho eu) mais do que resolvido na vida.
Pode ser, então, que esse tempo fora (Ultimato, sua última aparição, foi lançado há meia década) serviu para que o astro concluísse que sente falta do glamour que é estar no topo do MCU, e para alguém com o seu histórico de vícios, essa não é uma questão a ser ignorada. No mundo do futebol, jogadores notórios como Diego Maradona (considerado um Deus na Argentina e por muitos especialistas o melhor depois de Pelé) e outros como Walter Casagrande (hoje comentarista esportivo e felizmente livre do vício) tiveram forte problema com as drogas, uma vez que o entorpecente pode acabar sendo uma oportunidade momentânea da pessoa experimentar todas as sensações semelhantes à de um estádio lotado, no qual o público ovaciona seu ídolo, que por sua vez se alimenta desse prestígio, viciante em muitos momentos.
Seria algo um tanto arriscado, esse movimento. Sendo assim, torço para que a maior motivação de Downey seja realmente fazer um bom trabalho, e há espaço para isso. Encerrar sua história dentro do MCU como o maior vilão (ou um dos maiores) já visto acrescentaria pontos incalculáveis na corrida pela glória eterna. A promessa de que “Avengers: Doomsday” e “Secret Wars” serão algo inimaginável, porém, é um baita desafio.
Doutor Destino irá vencer ao final de Avengers: Doomsday
Efeito Thanos é a aparente estratégia para que essa empreitada toda dê certo. Se o vilão interpretado por Josh Brolin conseguiu ganhar o coração de todos os fãs, não é errado pensar que o mesmo possa ocorrer com Doutor Destino. Ao final de “Vingadores: Guerra Infinita”, tivemos milhares de salas de cinema espalhadas pelo mundo inteiro com o público absolutamente atônito vendo metade da população do universo virar poeira, e a mais recente saga Guerras Secretas dos quadrinhos já deixa claro então que esse Doomsday deve terminar em posição semelhante, com o triunfo do líder da Latvéria, país ficcional presente nas HQs.
E o que podemos esperar de Vingadores: Guerras Secretas?
Levando em consideração que teremos um começo de fato das Guerras Secretas em 2025 com “Quarteto Fantástico”, podemos supor que em “Avengers: Doomsday” a vitória de Victor Von Doom vá se traduzir na obtenção dos poderes que o tornam uma figura divina no arco Guerras Secretas de 2015.
Guerras Secretas começa com o colapso do multiverso Marvel. Terras paralelas, chamadas de Incursões, começam a colidir, levando à destruição de várias realidades. Apenas duas Terras permanecem: a Terra-616 (a linha do tempo principal da Marvel) e a Terra-1610 (o Universo Ultimate). Quando essas duas realidades colidem, o Doutor Destino adquire o poder dos Beyonders, entidades cósmicas que estavam por trás das Incursões, e cria o Battleworld, um mundo composto de fragmentos de várias realidades.
Dos principais temas desta história, podemos destacar:
- Poder e Moralidade:
- Guerras Secretas explora as complexidades do poder absoluto através de Victor Von Doom, que se torna o governante de Battleworld como “Deus Destino.” A série questiona o que significa ser um deus e como o poder absoluto corrompe, mesmo aqueles com intenções de governar para o bem. Essa é uma vertente muito atual se levarmos em conta diversos conflitos que estão ocorrendo pelo mundo.
- Identidade e Realidade:
- O arco joga com a identidade dos personagens e as realidades alteradas. Heróis e vilões enfrentam versões alternativas de si mesmos e lutam para manter sua integridade em um mundo onde as regras foram drasticamente mudadas. Colocar isso em prática será um tremendo desafio, pois, na minha opinião, nem “Doutor Estranho no Multiverso da Loucura” (2022) tampouco “Deadpool & Wolverine” (2024) foram capazes de fazer isso com a devida competência.
- Sacrifício e Heroísmo:
- Os heróis da Marvel enfrentam decisões difíceis que testam seus limites e sua vontade de sacrificar tudo para salvar o multiverso. Este tema é evidente na determinação do Senhor Fantástico (Reed Richards, que será interpretado por Pedro Pascal) de derrotar Doom e restaurar o mundo. Sendo assim, ficamos na expectativa para que Pedro Pascal como Reed seja um grande rival e líder dos Vingadores em algum momento, conseguindo passar pelo menos um pouco do heroísmo que o público experimentou com toda a saga de Tony Stark, o Homem de Ferro, ao longo de dez anos de filmes da Marvel Studios.
A volta de Robert Downey Jr. ao universo Marvel através de um ambicioso projeto pode acabar se tornando, no final das contas, a única forma decente de dar uma salvação a essa errônea saga do multiverso iniciada depois de Ultimato.