Certamente, em algum momento você já se pegou recordando um momento marcante da juventude que viveu com grandes amigos do passado. Aquele sentimento de estar entre verdadeiros irmãos, passando um dia sem nada para fazer, rindo até doer a barriga, rivalizando com a turma da rua do lado e até mesmo cometendo alguma transgressão que acabou virando história para contar depois. Esse lugar quase sagrado para muitos de nós já foi bastante explorado nas telas em filmes como “Conta Comigo” (1986) e até mesmo na série “Stranger Things” (2016-). Reservation Dogs é mais uma dessas joias raras que merece um lugar especial nessa prateleira.
Lançada em 2021, “Reservation Dogs” passou despercebida por grande parte da audiência, mas conquistou outras duas temporadas e, recentemente, foi indicada ao Emmy de Melhor Série de Comédia. Mas antes que tire conclusões precipitadas, temos no programa algo que vai muito além das tentativas de apenas fazer você dar risadas.
Para dar mais credibilidade ao que estou sugerindo, o que posso te dizer é que a série traz o toque mágico de Taika Waititi (Jojo Rabbit), que, apesar de alguns tropeços em sua carreira, quando acerta, faz chover. Waititi assina como co-criador da série, ao lado do showrunner nativo americano Sterlin Harjo, e é fácil identificar sua marca na produção, que transita brilhantemente entre momentos divertidos e boas doses de drama de dar um nó na garganta.
O coração de “Reservation Dogs” é sustentado pelos seguintes personagens: Bear (D’Pharaoh Woon-A-Tai), Elora (Devery Jacobs), Willie Jack (Paulina Alexis, minha favorita) e Cheese (Lane Factor). Esses quatro jovens de descendência indígena são inseparáveis e vivem em uma pequena comunidade rural no Oklahoma, nutrindo o sonho de tentar a vida na Califórnia após a morte de Daniel (Dalton Cramer), o quinto integrante do grupo. O cenário é perfeito para que a série explore uma verdadeira desconstrução de estereótipos, mostrando como os indígenas vivem nessa comunidade, tentando preservar suas tradições em meio aos desafios dos “tempos modernos”.
Esse aspecto é muito presente na série, mas a dupla Waititi/Harjo sabe exatamente para onde conduzir a narrativa. Assim, qualquer outro tema é colocado em segundo plano para dar destaque ao quarteto principal, suas relações, processos de amadurecimento e laços afetivos com todos que os cercam. Isso nos leva a passagens aparentemente despretensiosas, mas que se tornam memoráveis, focando em aspectos individuais de cada um dos quatro. De episódios que trazem os conflitos de Bear, em divertidas conversas com um espírito ancestral, a momentos emocionantes de Willie Jack com seu pai durante uma caçada, o programa surpreende desde os primeiros episódios, tornando-se arrebatador ao final.
Apesar do carismático quarteto de protagonistas sustentar bem a trama, seria injusto não mencionar o rico universo de personagens que os rodeiam. O roteiro apresenta diversos tipos únicos, como o já mencionado espírito ancestral com seus cômicos urros estereotipados, os irmãos gêmeos rappers, o contrabandista cheio de referências do cinema e o tio “maluco” de Willie Jack. Todos esses personagens formam um quadro maior que só enriquece a jornada dos protagonistas.
Abordando temas como amizade, lugar de origem, conflitos da adolescência, luto e amadurecimento, “Reservation Dogs” é exatamente aquilo que você não sabia que precisava, mas vai se apaixonar se der uma chance. E isso não é pouca coisa.
As três temporadas da série estão disponíveis no Brasil pelo Disney+.