O Universo Cinematográfico da Marvel é conhecido por ter vilões muito fracos em seus filmes. Alguns escapam, como Loki ou o Abutre, mas a grande maioria são personagens rasos e descartáveis.
Os vilões ou antagonistas são de extrema importância em obras de ficção. São eles que movem a trama e tiram o herói do seu mundo comum, jogando conflito sobre ele. Quando um vilão é fraco ou sem sentido a história perde bastante, e isso seguia acontecendo com os filmes da Marvel desde a sua gênese com Homem de Ferro. Todos nós lembramos dos heróis que constroem esse universo, mas o vilões são facilmente esquecíveis, sendo muitas vezes só versões distorcidas dos personagens.
Aí chegamos em Pantera Negra e Erik Stevens. Até a forma como Killmonger é introduzido no filme do Pantera Negra é diferente. Vemos uma cena com Erik no início da trama sendo só mais um capanga do vilão inicial Klaw, naquele início já vemos uma ótima atuação de Michael B. Jordan e suas ideias muito bem embasadas sendo expostas. Somente no meio do filme é que ele se firma como um o verdadeiro vilão da obra e já chega com os dois pés na porta.
Mas a história do personagem não aparece somente no meio da trama, dicas sobre sua origem já foram adicionadas antes, e isso é um dos primores da trama de Pantera Negra. Infelizmente Erik tem pouco tempo para demonstrar suas ideias aparecendo mais apenas na metade do filme, mas o pouco que vemos dele é mais do que o suficiente para colocá-lo como um dos melhores vilões do MCU. Ao entender sua origem entendemos o personagem.
Além do bom roteiro e boas motivações, algo de Killmonger se assemelha ao outros bons vilões da Marvel: a atuação. Michael B. Jordan consegue entregar um personagem crível e que fica difícil não simpatizar. Ele foi abandonado pelo seu reino de forma covarde e teve que crescer na vida para poder tomar o que era dele por direito. Ele não teve uma vida cheia de luxos como T’Challa, Erik teve que renascer do inferno e treinar por anos para se tornar melhor do que o seu antagonista. Até mesmo o sotaque dele diz sobre o personagem, enquanto todos os personagens bonzinhos tem um sotaque africano forte, Erik possui um sotaque fortíssimo de negros americanos, dessa forma sutil o filme mostra que ele está agindo como os colonizadores de antes que ele tanto odeia. Ele está representando o poder de fora, o negro do subúrbio dos Estados Unidos que teve que sofrer o que todos sofrem.
Quando chegamos nas motivações de Killmonger é que a conversa se complica. Ele é claramente inspirado pelo extremismo dos Panteras Negras (inclusive podemos ver o famoso poster do grupo político em seu quarto). O grupo político surgiu como uma forma de combater o racismo e proteger os negros americanos. Muitas vezes com ações extremas, claramente motivadas pela forma extrema e violenta como os negros eram tratados nos EUA. Comportamento violento gera comportamento violento e podemos perceber todo o ódio que esse personagem tem dos colonizadores europeus, brancos e até mesmo dos seus irmãos de Wakanda que tiveram uma vida fácil e decidiram dar as costas a seus irmãos de cor pelo mundo.
Killmonger estava certo? Em suas ideias sim mas, infelizmente, não nas suas ações. Mas ele é um ser humano falho, é difícil ter a paciência e o sentimento de paz no nível de pessoas mais evoluídas como Mandela ou Luter King tinham, Killmonger está mais para um Malcolm X ou integrante dos Pantera Negras que tanto admirava.
É um absurdo concordar com o discurso de Killmonger? Sua ideia era uma vingança contra o que foi feito com o continente africano e o povo negro. Um povo que sofreu tudo de ruim pelo homem “branco” e ainda sofre até hoje com o preconceito. Killmonger é um reflexo da violência e descaso que foi feito contra ele, não sendo muito diferente de um negro pobre que acaba no mundo do crime. Tenho minhas ressalvas pessoais contra manifestações e revoluções pacíficas mas não da para ficar do lado do personagem vendo suas ações no filme. Acredito que é aí que o roteiro tem uma falha, no terceiro ato as ações acontecem rápido demais e existe uma necessidade de vilanizar o máximo possível o personagem para que ninguém fique do seu lado.
Um bom vilão é aquele que muda o herói, T’Challa no fim acaba cedendo aos conselhos de Killmonger e Nakia (que possui ideias parecidas, mas voltadas ao assistencialismo). O rei no final acabou sentindo na pele e aprendendo da pior forma possível o que a falta de possibilidades pode fazer com um irmão de cor, por isso toma a decisão do final do filme. T’Challa se sentia culpado pelo que aconteceu com Erik, ele entendia a dor do outro e provavelmente pensou que poderia ser ele ali no seu lugar.
Espero que Killmonger seja uma inspiração para os próximos vilões de super-heróis, um personagem bem construído, com uma boa motivação e que nos faz pensar sobre como o nosso mundo é. A violência nunca deve ser a opção para a paz, mas precisamos entender o fardo que cada um carrega antes de julgarmos outra pessoa. Termino esse texto com a melhor frase do filme dita pelo personagem analisado aqui:
“Jogue-me no oceano com meus antepassados que pularam dos navios, porque sabiam que a morte era melhor do que a escravidão.”