Recentemente, e, na verdade, frequentemente, há a discussão sobre os clássicos brasileiros e a sua atuação na educação da criança/ do adolescente (a mais recente afirmação a respeito veio do youtuber Felipe Neto). Estes livros são amplamente questionados, afinal, eles parecem mais afastar do que aproximar o aluno da leitura. Qual adolescente está pronto para ler José de Alencar, autor que até mesmo adultos evitam? Que criança está apta para entender todas as nuances de Machado de Assis? Seriam, de fato, essas literaturas necessárias no currículo escolar? Nossos jovens precisam mesmo ler O Guarani?
Comecemos do começo.
O início do Brasil
No século XVI foi quando tivemos o primeiro registro de literatura no Brasil, sendo ela a carta de Pero Vaz de Caminha. Registro porque a população que já vivia no continente, que foram chamados de “índios”, possuíam a própria literatura, sendo ela oral e, obviamente, nenhum português se interessou em tentar transcrever qualquer uma dessas histórias ou até mesmo conservar, visto que era mais interessante colonizar, destruir, saquear e estuprar.
Como colônia de Portugal, o acesso a qualquer literatura era restrito à elite, e, em um futuro próximo, à alta burguesia. O livro era um artigo de luxo, e o único interesse dos supostos autores em escrever, durante boa parte dos anos, era apenas para relatar ao país de “origem” sobre as terras aqui encontradas. É o que, hoje, chamamos de Literatura Informativa.
Os primeiros brasileiros, crianças nascidas no solo do país Brasil, só vieram em 1570, sendo filhos de portugueses que moravam ali ou mestiços, fruto de estupro. Diz-se que a primeira literatura brasileira veio apenas com Gregório de Matos, junto ao movimento Barroco. Até então, a preocupação com a educação era exclusiva a quem tinha dinheiro e terras, excluindo todo o resto. E quando me refiro a quem tinha dinheiro e terras, lembrem-se que mulheres não tinham acesso à tal da educação.
“Explicitamente, a missão da Companhia de Jesus era a de catequizar, ou seja, conseguir adeptos à fé católica, tornar os índios mais dóceis e submissos, adaptando-os à mão de obra. Verificamos, porém, que implicitamente ela afastou-se deste objetivo voltando-se para a educação de elites, pois assim agindo, garantia para si lucros financeiros e a formação de futuros sacerdotes, o que não lhe era assegurado na proposta inicial. Da educação estava excluído o povo, e graças à Companhia de Jesus, o Brasil permaneceu, por muito tempo, com uma educação voltada para a formação da elite dirigente.” (História da educação escolar no Brasil: notas para uma reflexão – Paulo Rennes)
Ou seja, para variar, a educação era proposta apenas para a elite. Durante muito tempo, a educação no Brasil não mudou. E quando eu digo muito tempo, foi somente lá para o século XIX, quando surgiu uma nova burguesia, conhecida como pais que se matam de trabalhar para pagar pelo melhor ensino possível aos seus filhos, costume que perdura até hoje. E, com a chegada de Dom João VI, houve a criação do ensino superior não-teológico: Academia Real da Marinha, Academia Real Militar, os cursos médico-cirúrgicos, a presença da Missão Cultural Francesa, a criação do Jardim Botânico, do Museu Real, da Biblioteca Pública e da Imprensa Régia, sendo os primeiros centros de educação e cultura no Brasil. Porém o ensino infantil, ou primário, foi completamente esquecido. Assim sendo, a menos que você fosse um sortudo rico, continuaria sendo iletrado e ignorante. Como houve um total abandono desse ensino, chegaram os espertos e pensaram “Por que não construir eu mesmo uma escola de nível primário e secundário, já que o governo só se importa com as universidades?”. E assim nasceram as escolas particulares, que, sabemos, não se importavam com quem tinha pouco ou nenhum dinheiro.
A escola brasileira
“Do ponto de vista cultural e pedagógico, a República foi uma revolução que abortou e que, contentando-se com a mudança do regime, não teve o pensamento ou a decisão de realizar uma transformação radical no sistema de ensino para provocar uma renovação intelectual das elites culturais e políticas, necessárias às novas instituições democráticas” (AZEVEDO, 1953, p. 134).
Por muito tempo, essa ideia elitista de que somente a nata da sociedade deveria ser letrada e possuir conhecimento perdurou. Afinal, por que o filho do pedreiro deveria saber tanto quanto o filho de um rico, se o destino deles estava traçado para que um continuasse na miséria e mantivesse funcionando o sistema que enriqueceria ainda mais os endinheirados? Inclusive, se você refletir um pouco, essa ideia continua em vigor, com a sucateação das escolas públicas e a tentativa de privatizar as universidades públicas, além de tirarem o FIES – sistema que ajudou muitas pessoas a conseguirem seus diplomas e mudarem de vida.
Somente nos contextos históricos do Tenentismo e da Ditadura Militar é que a educação brasileira foi questionada. O educadores finalmente reclamaram sobre o analfabetismo e outros problemas, indo buscar solução no modelo que o Brasil sempre achou perfeito: na Europa. De 1920 a 1929, tivemos algumas reformas educacionais de nível primário como, por exemplo, no Lourenço Filho, aqui no Ceará, em 1923. As nossas ideias de ensino eram totalmente tiradas de escolas estadunidenses e europeias, algo totalmente contraditório, pois a nossa realidade nunca chegou perto da realidade vivida por eles. Somente após o golpe de Getúlio Vargas é que se viu a necessidade de “a educação começa a mudar, em resposta às novas necessidades que surgiam: mão de obra para as funções que se abriam no mercado de trabalho.” (História da educação escolar no Brasil: notas para uma reflexão – Paulo Rennes)
Nasceu o que chamamos de “educação industrial”, focada em formar, isso mesmo, peões, pessoas que aprendessem a obedecer. Atualmente, é conhecido como “ensino tradicional”, em que há uma figura de autoridade e ela é dona de todo o saber (professor) e os alunos devem ouvir calados e jamais questionar a validação do que está sendo repassado.
“Na passagem dos anos 1970 para os 1980, o livro apresentava-se como o receptáculo soberano e insofismável do texto (…)” (Vista do Papel da Literatura na escola – revista USP) Nessa troca, a educação passou a ser mais valorizada e o povo a ter mais acesso. Durante certo tempo, as melhores escolas – para o desgosto da igreja – eram as públicas, recebendo um bom incentivo do governo. Ainda assim, as vagas eram reservadas exclusivamente para a elite, e poucas pessoas de baixa renda poderiam sequer sonhar em entrar em uma dessas escolas. A princípio, como vimos, a Literatura era vista como algo inestimável, porém, com a mudança entre os séculos, o avanço da tecnologia, a falta de incentivo, de investimento e de responsabilidade governamental, “O empobrecimento da escola pública é visível em todo o país (…)” (Vista do Papel da Literatura na escola – revista USP). Chegamos no momento da história em que a desvalorização do professor em sala ficou em alta, sendo constantemente cobrado e humilhado por culpas que não são deles – e sim da falta de interesse governamental.
Agora, chegamos ao cerne da questão: “Relativamente à leitura, que ocupa a base do ensino e da qual se espera tanto, a pergunta talvez seja: que tipo de leitura caberia à escola estimular?” (Vista do Papel da Literatura na escola – revista USP).
A literatura na escola
Com a modernização do ensino, veio a necessidade de se rever alguns ensinamentos. Além da conhecida alfabetização do aluno, veio o dever do letramento, sobretudo, o literário. Nesse sentido, além de ensinar a criança a ler, ela deveria entender o que estava lendo – o que pode parecer óbvio, mas, até então, não havia tanto essa preocupação, a não ser voltada para a elite (e, ainda assim, nos dias atuais temos uma reca do que chamamos de analfabetos funcionais – pessoas que sabem ler, mas não entendem que o que estão lendo. A boa e velha interpretação de texto). Mas, agora, é relacionada ao ensino em geral. E a leitura se apresenta como uma prática inusitada.
“Diante disso, novas questões se evidenciam: como formar leitores competentes de textos escritos informativos e, simultaneamente, bons apreciadores de literatura? Ou é preferível optar por preparar leitores em, ao menos, uma dessas modalidades, esperando que, por decorrência, o resultado conduza o aluno a outros tipos de texto?“(Vista do Papel da Literatura na escola – revista USP).
A literatura ganha um sentido de formar o leitor. Os efeitos positivos de tal arte são inúmeras, como estimular a criatividade e o pensamento crítico, por exemplo. A literatura traz ao aluno a experiência de ter novas vivências, como bem sabemos hoje em dia. Porém, mesmo tendo o conhecimento disso tudo, o que faz com que a leitura dos clássicos se torne tão repugnante?
“A dificuldade reside também na circunstância de que, de ideal, esse objetivo converteu-se em um sistema: educação deixou de consistir em um processo, presente em várias das atividades sociais e culturais, para se apresentar como instituição, com estrutura, organograma, agentes, calendário e orçamento.” (Vista do Papel da Literatura na escola – revista USP).
Em outra palavras, a escola deixou de ser um local de ensino para tornar-se um negócio. Houve um esvaziamento na educação, sucateando os ideais iniciais que começaram na Grécia, em que o conhecimento “literário”, dialético etc., eram primordiais. Se você perceber, as matérias dadas no colégio “não se encontram”. Na Literatura, por exemplo, é primordial entender o que se está acontecendo no mundo naquele exato momento para que a escrita seja de forma X ou Y.
Um exemplo é o Barroco, em que o homem dividia-se entre o prazer terreno mas temia a Deus mais do que tudo, fazendo com que encontremos, nessa arte, um tom mais mórbido, de medo. Mas, porque isso acontecia? No século XVII, o mundo estava em plena mudança, havendo um questionamento sobre a igreja que os levava à culpa, à indecisão do viver agora ou viver a eternidade com Cristo. Porém, quando estudamos isso na escola, na aula de Literatura fala-se de Barroco e em História estaremos estudando, quem sabe, sobre a Revolução Industrial, tratando ambas matérias como algo separado e incoerente uma com a outra. Logo, porque haveria qualquer interesse do aluno em aprender mais se o ensino é desinteressante e incompleto?
Refletindo sobre tudo o que foi dito, o ensino tem sido feito para tornar boa parte da população um trabalhador – exceto, talvez, em alguns colégios de grande porte, que tentam incrementar as aulas com Empreendedorismo, por exemplo, mas sem abrir mão do ensino tradicional. Com o professor ou a professora sendo a figura de autoridade dentro da sala de aula, essa pessoa se torna a detentora de todo o saber e a única que tem as respostas, que, quer queira ou não, terá que dá-las aos alunos para que matéria continue – e, por ser um modelo de negócio, a matéria tem que ser transmitida de maneira “mastigada” aos alunos, para que entendam rapidamente, pois daqui a 5 minutos estarão em outro conteúdo e eles precisam saber de TODOS. Quanto mais o tempo passa, vemos alguns padrões.
Primeiro, em escola pública, o enorme descaso. O que faria com que uma criança que mal é ensinada a ler, não passa por um sistema de letramento, interessar-se por uma literatura cuja leitura é traz um português tão intrinsecamente ligado a um português mais arcaico?
Segundo, em escolas particulares, os professores têm a obrigação de mastigar a matéria para os alunos, para que eles entendam e passem de ano, afinal, é tudo um grande negócio. Que interesse eles vão ter para abrir um livro de Charles Dickens e entender que Um conto de Natal nada mais é do que uma referência direta à Revolução Industrial e uma crítica ao capitalismo? Nenhum.
E qual seria a solução? Bem, ao meu ver, como educadora, um ensino transdisciplinar seria o ideal. E o que diabos é isso? Em resumo, não existem barreiras entre as disciplinas, e, ao aprender, por exemplo, sobre agricultura, você seria os ensinamentos geográficos, biológicos etc., proporcionando um ensino completo sobre aquele assunto. Mas essa é apenas a minha opinião.