Alguns quadrinhos possuem a riquíssima virtude de portar diversas e capciosas discussões em poucas páginas, como é o caso de Polina. Nesse mundo atual, onde cada vez mais relegamos o aprendizado clássico em prol da superficialidade (uma das consequências do acesso instantâneo à informação), é bastante oportuna a ambientação escolhida pelo autor Bastien Vivès para dar vida à sua história: o balé.
A trama acompanha a trajetória de uma garota russa chamada Polina Ulinov, que entra para a escola de dança por uma imposição de sua mãe, que, por sua vez, projetou na filha um desejo próprio. A concorrência não é das mais fáceis, mas a garota consegue ser admitida mesmo assim. Ela então se depara com o maior desafio de sua vida, que é ter aulas com o professor Nikita Bojinski.
Como não podia deixar de ser (e como já adiantei), todo o balé de Polina acaba servindo como pano de fundo para diversas discussões interessantíssimas, a começar pela relação professor/aluna. Bojinski é extremamente rigoroso e possui uma interpretação singular do que é a prática do balé. Ser seu aluno é uma tarefa tão complicada, que todo dia alguma colega saí da aula aos prantos, jurando que nunca mais voltará até mesmo a dançar. Toda essa dificuldade não está atrelada a gritos e esporros autoritários, mas sim a uma gentileza e objetividade que andam de mãos dadas. A protagonista, ao seu modo, consegue driblar as adversidades e acaba se firmando com o professor.
Falar sobre essa dinâmica pode soar como algo enfadonho, mas não: todo o rigor de Bojinski não é em vão, e sua relação com Polina tampouco é unilateral. De modo bastante sutil, Bastien Vivès mostra como o próprio professor é afetado pela garota, que tem seu desenvolvimento narrado ao longo das páginas.
Outra assunto abordado aqui é o da própria arte. Enquanto com Bojinski as coisas são de uma forma mais ortodoxa, tudo muda quando a protagonista toma outros rumos. No teatro, inclusive, a diretora afirma que precisa trabalhar muito para tirar das alunas todo o mal ensinado pelo antigo professor. É uma rota de colisão artística que confere muita profundidade à obra.
Vivès também acerta demais na linha do tempo da sua narrativa, passando a sensação de que estamos acompanhando uma biografia romantizada de uma grande artista. Isso se reforça quando observamos todos os detalhes que o autor traz para a história, como quando nomeia os movimentos da dança – dentre outros pontos.
Sua arte, que pode ser confundida como desleixada ou até mesmo preguiçosa por olhares mal intencionados, consegue ditar um ritmo muito agradável, com fluidez nas cenas de dança e tocante emoção nos momentos chave da vida da personagem. Com um elogiável trabalho de pesquisa e condução firme da sua história, Polina é uma excelente indicação de leitura. Essa foi a minha primeira oportunidade de conferir um trabalho de Bastien Vivès, que possui outras obras publicadas no Brasil como Uma Irmã pela editora Nemo (a mesma desta) e O gosto do cloro (Leya). Já estão na minha lista.