O criador de Breaking Bad e Better Call Saul, Vince Gilligan, retorna à televisão com Pluribus, nova série original da Apple TV+ estrelada por Rhea Seehorn. A produção combina a estética meticulosa e o humor sombrio característicos do autor com uma premissa de ficção científica existencial, centrada em uma escritora que desperta em um mundo onde toda a humanidade parece ter se tornado parte de uma única consciência. Confira a crítica do início da série:
Pluribus: uma ficção científica sobre solidão e conformismo
O primeiro episódio apresenta Carol Sturka (Rhea Seehorn), autora de romances de fantasia histórica que vive em constante insatisfação. Após um evento misterioso que provoca convulsões em massa, Carol percebe que foi uma das poucas pessoas poupadas por uma transformação global. A humanidade, agora unida em uma mente coletiva, vive em harmonia e euforia permanente — e apenas Carol continua capaz de sentir angústia, raiva e dúvida.
Gilligan transforma essa situação em um estudo sobre o individualismo. Pluribus não retrata um apocalipse clássico, mas uma distorção do que seria a utopia. O que acontece quando a humanidade alcança a paz absoluta, mas perde o livre-arbítrio? Carol se torna a peça fora do tabuleiro, uma presença incômoda em meio à perfeição.
O reencontro entre Vince Gilligan e Rhea Seehorn
A série marca a quarta colaboração entre Vince Gilligan e Rhea Seehorn, após o sucesso de Better Call Saul. Aqui, a atriz assume o protagonismo absoluto, conduzindo a narrativa com um equilíbrio entre vulnerabilidade e cinismo. Sua performance ancora o público em um universo cada vez mais estranho, em que todos agem com uma gentileza inquietante.
Gilligan escreve o papel sob medida para ela, explorando a tensão entre o humor e o desconforto. Carol é uma mulher desiludida, mas lúcida — a única capaz de enxergar que algo essencial foi perdido. Essa dimensão humana é o que mantém Pluribus emocionalmente acessível, mesmo diante de sua complexa especulação científica.
Uma direção meticulosa e uma construção lenta
Assim como Breaking Bad, Pluribus aposta em uma direção de fotografia cinematográfica e planos longos que criam atmosfera e reflexão. Gilligan dirige o episódio de estreia com precisão: cada movimento de câmera parece calculado para reforçar o isolamento da protagonista e o silêncio perturbador de um mundo onde ninguém discorda.

O ritmo é deliberadamente lento, o que pode exigir paciência do espectador. A série prefere a observação à ação, priorizando os pequenos gestos e silêncios sobre explicações diretas. A recompensa está no suspense gradual e na densidade das ideias — uma abordagem mais próxima de Arquivo X e The Twilight Zone do que dos dramas de ação convencionais.
Filosofia em um cenário apocalíptico
Pluribus questiona o preço da felicidade coletiva. O “coletivo unido” que domina o planeta parece ter eliminado o sofrimento, mas também a individualidade. Gilligan transforma essa contradição em metáfora para a cultura contemporânea, na qual a busca por harmonia social pode suprimir o pensamento crítico e a singularidade.
O resultado é uma ficção científica de tom filosófico, que usa o gênero como espelho da condição humana. A série propõe dilemas complexos: seria melhor viver em um mundo perfeito e impessoal, ou preservar a dor e a liberdade que nos tornam humanos?

Crítica: vale à pena assistir Pluribus no AppleTV+?
Com Pluribus, Vince Gilligan se afasta do universo do crime para mergulhar em uma reflexão sobre identidade e coletividade. A série confirma a Apple TV+ como o novo lar da ficção científica conceitual, ao lado de títulos como Severance e Foundation.
Rhea Seehorn entrega uma atuação intensa, sustentando uma narrativa que alterna entre o suspense e o absurdo. O ritmo pode afastar quem espera reviravoltas rápidas, mas os que embarcarem na proposta encontrarão uma história densa, construída com cuidado e provocação.
Pluribus é, acima de tudo, uma meditação sobre o que significa ser humano em um mundo onde pensar diferente se tornou o último ato de resistência.