Assim como é difícil imaginar o mercado de jogos hoje sem pensar nas zilhões de pessoas jogando em celulares e tablets é impossível contar a história dos jogos dos anos 2000 sem falar no Adobe Flash. Um plugin criado para tornar a internet mais dinâmica tornou-se rapidamente o meio pelo qual pessoas criativas puderam se expressar e criar novas experiências. Hoje, se não fosse por alguns poucos projetos de preservação e títulos como Paper Planet, provavelmente ele seria apenas uma pequena nota de rodapé no grande livro da Web. Felizmente, ainda temos pessoas mantendo vivas a alma dos anos 2000 com novos conceitos, pro bem e pro mal.
Como seus antecessores, ele não se importa muito em contar uma super-história, ou contextualizar o que está acontecendo. Tudo que se sabe é que você é uma pequena base, rodando em volta de um planeta, pronto para enfrentar ondas e ondas de naves inimigas que estão tentando destruir seu planeta. Enquanto os tiros amarelos só atingem a base, os mísseis vermelhos só atingem o planeta e precisam ser refletidos com o botão direito do mouse. Entre as ondas, você consegue melhorar suas características, conseguir novas armas e ataques ou até novas habilidades — algumas de graça e muitas ao custo de clipes de papel, a moeda de Paper Planet, como era de se esperar.
Diferente de outros jogos de navinha, essas melhorias são muito mais substanciais do que aumentar em 10% a velocidade de tiro ou algo do tipo. Seu tiro triplica de tamanho, eles ficam teleguiados, você começa a jogar bolas de boliche gigantes e novas bases começam a atirar sozinhas orbitando o planeta. No caso, tudo isso junto, com as balas saindo por um lado e entrando pelo outro do círculo, se acumulando de forma absurda em poucos segundos — o tipo de loucura que a estética Flash acolhe bem. Para vencer uma run de Paper Planet, ou você é muito bom em desviar de balas, ou você fez uma build muito, muito quebrada e divertida.
É comum usar o termo “inferno de balas” (ou bullet hell) para jogos desse tipo, que desafiam a capacidade dos jogadores em reagir a literais milhares de balas na tela ao mesmo tempo. Mais recentemente, propostas como a de Vampire Survivors permitiram que você, como jogador, fosse responsável por criar essa mesma quantidade de projéteis e fosse capaz de controlá-la, o que está sendo chamado (muito inteligentemente) de “céu de balas” (ou bullet heaven).
Se eu tiver o direito de cunhar um termo novo, Paper Planet facilmente trouxe o conceito de purgatório de balas: tem balas demais e você é o motivo de metade e a causa da outra metade. Graças à montanha de escolhas que ele dá ao jogador é fácil de caminhar por esse espectro e decidir onde você realmente quer ficar durante uma partida, caso a sorte sorria para você e te dê opções para isso. O aspecto “roguelike” (entre aspas mesmo, porque nem é tanto assim) dele traz a ideia de convidar para múltiplas partidas, testando novas formas de enfrentar os desafios, mas, particularmente, o pouquíssimo conteúdo disponível não me deu tanta vontade assim de experimentar.
Mesmo perto de seus contemporâneos, como o já mencionado Vampire Survivors, ter sempre as mesmas fases e os mesmos chefes, sempre na mesma ordem, com uma loja limitada como única forma de desbloqueio de novas armas, não é exatamente tão empolgante. Até mesmo porque o jogo não te dá maneiras de controlar quais itens vão estar disponíveis em cada partida, forçando você a escolher caminhos que não agradam seu estilo, o que só piora com cada novo elemento adicionado ao pote. Paper Planet só é um jogo que você vai jogar pra sempre se clicar muito com ele.
Em geral, jogos em Flash eram criados como pequenas distrações digitais: você entrava em um portal, clicava em alguma imagem e, logo depois, estava aproveitando alguns momentos de diversão. Se gostasse, você salvava nos favoritos do navegador e voltava depois quando quisesse. Paper Planet entende exatamente esse sentimento. Você pode jogar ele o quanto quiser e nenhuma partida será realmente igual a outra, por mais que o único incentivo em continuar jogando seja ter gostado muito do pouco que ele apresenta. Não é exatamente o que eu colocaria na minha lista de favoritos, mas chegasse 15 anos antes e seria lembrado como um clássico esquecido por muitos até hoje (e talvez ainda possa).
Paper Planet será lançado para PC na Steam no dia 21 de agosto.
*Uma cópia do jogo foi gentilmente cedida ao CosmoNerd pelos desenvolvedores para a produção deste texto.