Depois do sucesso inesperado de O Telefone Preto (2021), dirigido por Scott Derrickson e baseado no conto de Joe Hill, a ideia de uma continuação parecia improvável. O vilão interpretado por Ethan Hawke, o assassino de crianças conhecido como The Grabber, havia sido morto no final do primeiro filme. Ainda assim, O Telefone Preto 2 (2025) retorna ao universo criado por Derrickson e C. Robert Cargill expandindo o terror psicológico original para um território mais amplo e sobrenatural, flertando com a estética e o imaginário dos clássicos dos anos 1980. Leia a crítica do filme de terror.
Crítica: O Telefone Preto 2
O retorno do Grabber e a expansão do universo
A trama se passa em 1982, quatro anos após os eventos do primeiro filme. Finney (Mason Thames), agora um adolescente marcado pela fama de “sobrevivente do Grabber”, tenta lidar com o trauma e a culpa. A irmã Gwen (Madeleine McGraw), que já demonstrava dons psíquicos, torna-se o centro da narrativa ao começar a ter visões perturbadoras envolvendo crianças presas sob lagos congelados e ligações misteriosas vindas do além.
Essas visões levam Gwen, Finney e o namorado dela, Ernesto (Miguel Mora), até um antigo acampamento de inverno no Colorado, onde a mãe deles trabalhou décadas antes. No local, administrado por um enigmático supervisor vivido por Demián Bichir, o trio se vê envolvido em uma nova manifestação do mal — e na possibilidade de que o Grabber não tenha desaparecido completamente.
Um terror com ecos de A Hora do Pesadelo
Derrickson e Cargill adotam uma abordagem visual e narrativa que remete diretamente a A Hora do Pesadelo, de Wes Craven. O Grabber retorna em uma forma onírica, atormentando suas vítimas através dos sonhos e pesadelos de Gwen. Essa conexão transforma o assassino em uma espécie de entidade sobrenatural, mais próxima de Freddy Krueger do que do vilão humano do primeiro longa.
O diretor abraça essa estética de forma consciente: há sequências que poderiam estar em um VHS perdido dos anos 80, com granulação, cortes abruptos e ambientação nevada que reforçam o clima de isolamento e alucinação. Uma das cenas mais marcantes mostra Finney cercado por almas perdidas em uma tundra gelada — um dos momentos visuais mais impactantes da carreira de Derrickson.
Trauma, fé e o sobrenatural
Enquanto o primeiro filme explorava a claustrofobia e a luta pela sobrevivência dentro de um porão, O Telefone Preto 2 expande o universo e introduz temas mais complexos. A fé é um deles. Gwen acredita que as visões são um dom espiritual e enxerga nelas uma forma de comunicação com o além — inclusive com a própria mãe falecida. Essa dimensão religiosa dá ao filme uma textura incomum, com uma simbologia cristã que contrapõe céu e inferno, culpa e redenção.
O roteiro, no entanto, acumula subtramas: o relacionamento de Gwen e Ernesto, o passado da mãe, o pai alcoólatra em recuperação e as tentativas de Finney de ignorar seu dom. Essa densidade narrativa enfraquece parte da tensão, deslocando o foco da simplicidade intensa do original — a batalha psicológica entre sequestrador e vítima — para um espetáculo mais fragmentado e visualmente grandioso.
A força e as falhas de O Telefone Preto 2, uma sequência ambiciosa
Com orçamento maior e liberdade criativa evidente, Derrickson entrega um filme mais ousado, mas também mais irregular. As cenas de horror são genuinamente perturbadoras, especialmente nas visões de Gwen, com imagens que remetem a crianças mutiladas e pesadelos congelados. Ao mesmo tempo, a necessidade de explicar a mitologia por trás dos fenômenos dilui a força do mistério, tornando alguns trechos excessivamente expositivos.
Ainda assim, O Telefone Preto 2 demonstra o domínio técnico do diretor. A fotografia de Par M. Ekberg é essencial para o clima de pesadelo, e a trilha sonora sintetizada reforça o caráter retrô da produção. O clímax sobre o gelo — uma homenagem direta a Curtains (1983) — é tenso e bem executado, unindo horror sobrenatural e emoção humana.
Crítica: vale à pena assistir O Telefone Preto 2 nos cinemas?
Um novo mito do terror contemporâneo
Mesmo com suas falhas, O Telefone Preto 2 consolida o Grabber como um novo ícone do terror moderno. A escolha de transformá-lo em uma presença sobrenatural e simbólica amplia o alcance da história, ainda que o roteiro sacrifique parte da tensão íntima do original. A sequência mostra que Derrickson não quis repetir a fórmula, mas reinventá-la dentro de um universo próprio, repleto de ecos do passado e de reflexões sobre fé, trauma e memória.
O resultado é um filme que dialoga com a tradição dos anos 1980 sem se tornar mera imitação — um pesadelo consciente de sua herança e disposto a testar seus limites. Afinal, como o próprio filme sugere, o telefone nunca para de tocar — e alguns ecos do passado continuam insistindo em ser ouvidos.