É fácil ouvir o nome de Stephen King e lembrar rapidamente de grandes clássicos do terror. A maior parte de seus livros, assim como as incontáveis adaptações, habitam o imaginário da cultura pop. Um escritor voraz, King domina como poucos a arte de mesclar situações do cotidiano com elementos sobrenaturais. Sem abrir mão do desenvolvimento de seus personagens no processo. Dessa forma, não é incomum que estúdios e agora serviços de streaming vasculhem seus trabalhos em busca de material novo. Após acertar a mão com 1922 e Jogo Perigoso, a Netflix lança O Telefone do Sr. Harrigan. E na falta de uma definição mais técnica, posso dizer que é tão divertido quanto uma ligação de telemarketing.
Desde criança, Craig (Jaeden Martell) lê livros para o velho bilionário Sr. Harrigan (Donald Sutherland). A interação entre os dois evolui para uma amizade que preenche a solidão no coração de cada um. Um tipo de conexão que parece superar até mesmo a barreira entre a vida e morte. O principal problema de O Telefone do Sr. Harrigan é não conseguir equilibrar o drama moral de seu protagonista com a temática sobrenatural que permeia o conto homônimo escrito por King. Até mesmo as previsões apocalípticas do personagem de Sutherland sobre o futuro da tecnologia e da internet parecem deslocadas na trama. Estamos diante de uma história de terror que questiona a forma como somos dependentes de nossos smartphones? No papel sim, na prática nem tanto.
Roteirista e diretor do longa, John Lee Hancock estica o conto por quase duas horas. Onde boa parte desse tempo é investido na construção da amizade e das diferenças entre Craig e Harrigan. O bilionário solitário que destruiu a vida de várias pessoas enxerga no jovem inocente uma forma de passar seus últimos anos em paz, encontrando brechas para dar conselhos sobre como ele deve perseguir seus sonhos e tratar seus inimigos. No entanto, quando essa dualidade é colocada em prática, o espectador já está dominado pelo tédio. O pior de tudo é que Hancock parece temer abraçar o lado sobrenatural da história original, deixando tudo para um punhado de cenas sem nenhum impacto. É um filme completamente sem identidade.
Nem mesmo a jornada de amadurecimento do protagonista é bem desenvolvida, com toda a discussão sobre suas ações espremida nos minutos finais do longa. Sendo bem generoso aqui, O Telefone do Sr. Harrigan ainda pincela um debate sobre justiça na era das redes sociais e como usaríamos o presente sobrenatural que Craig recebeu. Mas nada com muita profundidade. Resta para a trilha sonora de Javier Navarrette tentar evocar um pouco de emoção e tensão, também sem sucesso. Uma pena, pois Martell e Sutherland estão bem em seus papéis apesar de todos os problemas.
Para um longa que critica o uso excessivo da tecnologia, O Telefone do Sr. Harrigan praticamente obriga o espectador a mexer no celular em busca de algum tipo de entretenimento. Adaptar as histórias de Stephen King apenas para gerar audiência nem sempre é uma boa ideia. Curiosamente outro filme com telefone no nome foi lançado meses atrás. E veja só você, adaptado de um conto escrito por Joe Hill que é filho de King. Sem querer influenciar em suas escolhas, mas essa é uma chamada que merece ser atendida.