Ser autor, independente do país, é estar sujeito a muitos perrengues na vida, como receber críticas que estão ali só para destruir o seu psicológico, acabando com todo o trabalho que você teve durante meses ou anos com poucas palavras. Deve-se lidar com a frustração de um possível fracasso de vendas, entre outras inúmeras coisas que podem afligir o pobre trabalhador de palavras. E, acredite ou não, um dos clássicos mundiais já foi detonado pela crítica (na verdade, alguns deles), recebendo aplausos e sendo reconhecido como algo bom somente após o seu sucesso durante a Segunda Guerra Mundial. Sim, acredite se quiser, mas esse evento mundial de massacre e sofrimento foi responsável por um boom nas vendas de livros. Incluindo aí O Grande Gatsby, de F. Scott Fitzgerald.
Lançado em 1925, O Grande Gatsby teve poucas vendas, tornando-se um fracasso logo de cara. As críticas não foram gentis, apontando que ler tal livro trazia um gosto de arrependimento no final, outro jornal disse que ele não deveria nem mesmo ser chamado de autor. Anteriormente, Fitzgerald havia lançado não um, mas dois best-sellers, exemplares criativos que fizeram enorme sucesso e o alavancaram para ser considerado como uma brilhante promessa no mercado literário. Porém, com o fracasso da história de Gatsby, essa luz se apagou.
Sem engatar mais nenhuma conquista, a vida de Fitzgerald foi se deteriorando – não somente por isso, por outros motivos mais fortes, como alcoolismo -, e, aos 44 anos, pouco tempo depois do lançamento de O Grande Gatsby, ele morreu. Em vida, o autor nunca viu a própria obra sendo mundialmente aclamada, como acontece com uma boa parcela de artistas que só recebem reconhecimento após a sua morte.
Como O Grande Gatsby finalmente ganhou o mundo
Por vinte anos, mais ou menos, O Grande Gatsby ficou na obscuridade, esquecido e deixado de lado pelo mundo. Até que, cinco anos após a morte do autor… surpresa! O livro saiu do esquecimento devido a um acontecimento que abalou o mundo inteiro e que destruiu vidas: a Segunda Guerra Mundial.
Em 1942, um grupo de bibliotecários, autores e editores – todos apaixonados por livros – fundaram o U.S. Council on Books in Wartime (Conselho dos Estados Unidos de Livros em Tempos de Guerra), e tiveram uma brilhante ideia: e se enviassem livros pros soldados, títulos que ajudassem a manter a moral elevada? Enquanto os nazistas queimavam livros, os EUA leriam livros. Era um pouco de guerra intelectual, liderada pela frase “livros são armas nas guerras ideológicas”.
Sendo assim, passaram a enviar livros de bolso para os soldados que estavam do outro lado do oceano. No caso de O Grande Gatsby, mais de 150 mil exemplares foram enviados para os rapazes que lutavam na guerra e se tornou um verdadeiro hit. Na época, havia sido acabado de se inventar o chamado paperback (uma versão econômica de produção, sem orelha, capa mole, papel barato, meio jornal), o que barateou a produção dos livros e facilitou os planos do grupo.
Muitas editoras que participaram desse “experimento” ficaram com medo de ir à falência, pois cada cópia do livro era barata demais (uns 0,60 cents de dólar). Uma das pessoas do grupo responsável pelo projeto, H. V. Kaltenborn, disse que na verdade, seria um arraso, pois pela primeira vez na história eles estavam tornando o país em uma nação que lê. E ele estava correto em suas previsões, pois, entediados e com saudade de casa – o famoso homesick -, homens e mulheres estadunidenses que estavam no além-mar passaram a devorar os livros enviados. Num sentido figurado, é claro.
Dois anos após o término da guerra, ainda havia soldados esperando para voltar para casa, e livros, como O Grande Gatsby, foram uma ajuda e tanto para quem estava sem nada para fazer em outro país. Mais de um milhão de soldados leu o “fracasso” de Fitzgerald, rejuvenescendo a obra, que atualmente está em todas as salas de aula dos Estados Unidos. E, como bem sabemos, tornou-se um clássico mundial, leitura obrigatória para os jovens e quem estuda Literatura.
Afinal, sobre o que fala a obra de Fitzgerald?
Este clássico do século XX retrata a alta sociedade de Nova York na década de 1920, com sua riqueza sem precedentes, festas nababescas e o encanto das melindrosas ao som do jazz. O sol em ascensão desse universo cintilante e musical é o enigmático milionário Jay Gatsby, ao redor do qual orbitam três casais glamorosos e desencontrados, numa trama densa, repleta de intrigas, paixões e conflitos que precipitam o trágico eclipse.
Em seu livro, Fitzgerald retrata com maestria o sonho americano, ao mesmo tempo em que o critica. Muito se deve ao fato de que ele se utiliza de traços biográficos em suas obras, o que as tornam muito reais, nos convidando a viver aquilo que está escrito por meio das suas palavras.
Na década de 1920, os Estados Unidos passavam por algumas mudanças sociais e culturais, um verdadeiro caos, já que, graças à Primeira Guerra Mundial, mulheres tiveram que sair para trabalhar, ganhando uma nova autonomia, conquistaram o voto feminino; com o aumento do padrão de vida, passou-se a ter acesso fácil a eletrodomésticos, carros, rádios. Também houve uma onda artística da população negra nos Estados Unidos, que resultou no Jazz. Tivemos a criação da Ku Klux Kan com o apogeu da cultura afro-americana, a Lei Seca, proibição de imigrantes, enfim. Basicamente, foi nesse contexto que a obra foi escrita, e é considerado um livro que retrata muitíssimo bem a Era do Jazz.
O Grande Gatsby vem como uma crítica ao que conhecemos como “sonho americano”, condenando os excessos dos ricos, que, entediados com a vida, buscam apenas mais dinheiro. Porém, com a exuberância de sua narrativa, acaba nos levando ao deslumbramento pelo mundo dessas pessoas, e, de certa forma, causando um sentimento de empatia pelos ricos e mimados. Até mesmo nos dias atuais, por mais que se saiba da podridão de um universo luxuoso, há um desejo inerente de querer fazer parte, nem que seja um pouco, dessa vida de rico.
Na história, Gatsby é apaixonado por Daisy, uma moça de família abastada, e esse romance não tinha como dar certo, pois ele era pobre. A única maneira de viver esse relacionamento era ganhando muito dinheiro, para ter o mesmo status social que sua amada. Ele consegue, mesmo que por meios escusos, o ápice do sonho americano.
Esse início do personagem, inclusive, é inspirado na própria história do autor com sua esposa, Zelda, que era de uma família rica, e ele, pobre. Para conseguir conquistá-la, escreveu um best-seller e ganhou muito dinheiro com isso, podendo, enfim, casar-se com ela.
A história não é somente sobre o sonho americano. Existem inúmeros outros temas a serem explorados dentro da obra, mas o seu protagonista gira em torno desse conceito, então é importante que isso seja entendido. O ponto de vista do livro não pertence a ele e nem a Daisy, e sim a Nick, que trabalha como um narrador onisciente, sendo responsável por descrever tudo. Aliás, as descrições dentro dessa trama são essenciais para se entender muito da história, como a futilidade do casal Buchanan. Nick é considerado o “velho-pobre” por ter mais de 30 anos, não ter estabilidade financeira, nem família, e ele é a figura usada por Gatsby para se aproximar de Daisy, que está casada Tom Buchanan.
O livro possui várias camadas, e eu gastaria muito tempo decifrando-as aqui para vocês. Não é à toa que O Grande Gatsby se tornou uma leitura obrigatória para os estudantes de literatura, pois Fitzgerald foi um autor realmente de excelência, e poderia ter sido esquecido para sempre, se o destino não tivesse posto seu livro nas mãos de um grupo de pessoas que amavam literatura e sido entregue na mão de milhares de pessoas que estavam fadadas a, provavelmente, morrer.
Fontes: