Todo mundo ama uma narrativa de velho ranzinza que no fundo é um pudinzinho e adota pessoas mais novas como suas protegidas, cuidando delas de uma forma cuidadosa e cheia de amor, mesmo que tenha uma cara de quem vai assassinar todo mundo. Vemos isso com Wolverine, o Senhor Wilson de Denis, o Pimentinha, Bucky/Soldado Invernal da Marvel, Shrek, Carl Fredricksen de Up – Altas Aventuras, entre outros. Adaptação do livro de Frederik Backman, O pior vizinho do mundo, com o adorável Tom Hanks, veio para reafirmar o gênero e nos embalar numa história sobre superação da melhor forma. Uma deliciosa dramédia que vai te fazer sentir de tudo! Mas me precipito.
Otto (Tom Hanks) mora em um condomínio de casas fechado, num daqueles subúrbios estadunidesenses, e todos os dias acorda cedo para patrulhar o local. Aficcionado por regras e pelo cumprimento das leis, Otto cobra isso de todos que ali também moram, para que possam ter um lugar aconchegante e funcional, mas claro que muitos o consideram chato e inconveniente – exceto, talvez, pelo seu vizinho Jimmy, que é um amorzinho. O velho é rígido, metódico, rabugento, e o cenário que se desenrola a princípio é lúgubre, com um ambiente cinza e sem vida, que é o condomínio. Logo descobrimos que ele foi forçado a se aposentar e as pessoas do seu local de trabalho não são muito legais com ele – embora, partindo do comportamento dele no começo do longa, nosso julgamento é de que ele é quem não tratava ninguém bem.
Sozinho no mundo, viúvo, sem nada para fazer da sua vida, Otto decide encurtar a sua vida e ir se encontrar com a sua falecida esposa (Rachel Keller) quando uma família barulhenta e amigável demais cai de paraquedas no condomínio para ser sua vizinha na frente, forçando-o a sair do marasmo e ter que encarar a vida mais uma vez, vivendo o luto da forma correta e reaprendendo a viver.
Marisol (Mariana Treviño), Tommy (Manuel Garcia-Rulfo) e as filhas do casal são adoráveis, mas quem rouba a cena é Marisol. Perspicaz, atrevida, gentil e o epítome da extroversão, a mulher acaba virando a vida de Otto de cabeça para baixo, remexendo em tudo o que ele achava que estava morto dentro de si e ganhando uma amiga, ou, melhor dizendo, uma família. A boa e velha dinâmica de velho rabugento versus mulher cuja personalidade é ser o próprio sol, iluminando todos os cantinhos escuros do protagonista e nossos. Muito difícil não sorrir quando ela está em cena com Tom Hanks.
Apesar desse clichêzinho gostoso e leve, a história é bem balanceada com sua parte pesada, representada pelos sentimentos de luto de Otto, sua falta de vontade de viver, sua solidão, o fato de viver sempre no passado, revivendo melancolicamente e constantemente seus dias felizes ao lado de sua falecida e amada esposa. Como ele mesmo diz, ela era o seu tudo, a sua vida todinha, sem ela, não sabe o que fazer, sente que sua vida acabou. E, estatisticamente, velhinhos cujas esposas morreram antes não duram muito tempo. Às vezes a diferença entre as mortes é questão de dias.
Devo dizer que suicídio é um tema sensível para mim, e normalmente ter um protagonista que tenta se matar tantas vezes me deixaria muito mal, mas aqui não me incomodou. Por ser uma dramédia, talvez houvessem risos na hora errada, porém, o diretor acertou em cheio ao calcular o tom da história para uma espécie de otimismo, e mesmo que as tentativas terminem de forma “cômica”, não é uma graça que faz rir, mas uma que nos traz esperança, que, conectando ao resto da trama, vemos ali um sinal de que, mesmo quando achamos que não há nada para nós, a vida continua e ela pode ser linda.
O pior vizinho do mundo não tem pretensão de ser mais do que é, e o diretor teve muita sensibilidade ao fazê-lo, pois, ao invés de um roteiro apressado que tenta chegar rapidamente a certos lugares – pricipalmente por ser uma adaptação -, temos uma história que se interessa muito mais em conectar os personagens, desenvolvendo relações de forma acertada, focando mais na parte emocional dessa jornada.
É inspirador assistir ao renascimento de Otto. Rimos, choramos, ficamos alegres, tristes, com raiva. O filme nos envolve. Com duas horas e pouquinho de duração, você nem sente o tempo passar, e quando acaba, é com um sentimento quentinho e agridoce, tão gostoso que dá até vontade de voltar para o cinema e reassistir até ele sair de cartaz.