Por mais de duas décadas, os mundialmente conhecidos Monstros da Universal foram o carro chefe do estúdio. Revolucionando não apenas a sétima arte, mas também todo o gênero do terror, os filmes surgiram da visão mercadológica de Carl Laemmle Jr. Encabeçados pelo canastrão Drácula de Bela Lugosi, os maiores pesadelos que já caminharam pela Terra estrelaram cerca de 30 produções. Mas, como toda boa ideia utilizada ao máximo, o desgaste naturalmente chegou. Do estrondoso sucesso, os Monstros amargaram um declínio vertiginoso. Foi O Monstro da Lagoa Negra que herdou a missão de sepultar de vez uma das maiores franquias de Hollywood.
Foi no longínquo ano de 1954, após uma série de atrocidades cinematográficas como A Maldição da Múmia, A Casa de Frankenstein e A Casa do Drácula, que O Monstro da Lagoa Negra saiu das profundezas do Rio Amazonas para aterrorizar um grupo de exploradores gananciosos. A trama dirigida por Jack Arnold (Veio do Espaço, O Incrível Homem que Encolheu) carrega em seu núcleo grande parte dos esteriótipos difundidos entre estrangeiros sobre a Amazônia. O que podemos chamar de um fruto do seu tempo. Durante muito tempo, a região foi abordada como um celeiro de civilizações perdidas, ocultismo e animais pré-históricos. Visão que perdurou até mesmo após o advento da internet.
Dentre as várias ideias para o visual do monstro, foi a animadora Millicent Patrick que concebeu a versão definitiva que habitaria para sempre o imaginário popular. Porém, o icônico maquiador Bud Westmore roubou os créditos para si em uma farsa que durou cinco décadas. Apesar de passar longe dos melhores exemplares do estúdio, O Monstro da Lagoa Negra agradou o público e parte da crítica. O que, infelizmente, abriu espaço para duas tenebrosas continuações: A Revanche do Monstro (1955) e Caça ao Monstro (1956). Nos três longas, a criatura foi interpretada nas cenas terrestres por três atores distintos: Ben Chapman, Tom Hennesy e Don Megowan. Já as cenas aquáticas foram todas vividas por Ricou Browning. Porém, mesmo representando o melancólico fim dos Monstros da Universal, o desafortunado homem-peixe acabou criando raízes na cultura pop.
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Reza a lenda que todo o conceito por trás do projeto nasceu de uma conversa na casa do inigualável Orson Welles. Nessa mesa redonda, um desconhecido diretor brasileiro contou a história de um amigo que viajou para a região amazônica afim de filmar um documentário sobre uma espécie de povo-peixe. Além disso, foi em A Revanche do Monstro que um certo Clint Eastwood deu o ar da graça pela primeira vez nos cinemas. Ainda deu tempo de O Monstro da Lagoa Negra ganhar sua própria ficha biológica. É vulnerável à rotenona, um composto utilizado como pesticida, sofre de fotofobia adquirida por seu longo período vivendo em águas profundas e escuras, possui força acima do normal e um invejável fator de cura. Assim como dois sistemas respiratórios e a presença de 35% de glóbulos brancos em seu sangue.
Mas engana-se quem pensa que as coisas pararam por aí. A popularidade do monstro foi tão grande que ele ainda retornou para a série The Munsters, marcou presença no filme The Monster Squad e ainda ganhou um musical. Nesse meio tempo, teve sua origem recontada em dois livros escritos por Carl Dreadstone e Paul Di Filippo. Onde passou de uma criatura hermafrodita de 30 toneladas para uma espécie alienígena que chegou à Terra durante a Era Devoniana ¯\_(ツ)_/¯
Claro que todo esse viés histórico encontrou espaço no coração de um apaixonado por monstros: Guillermo Del Toro. Sem esconder sua inspiração no Monstro da Lagoa Negra, o diretor mexicano idealizou a criatura que estrela A Forma da Água. Filme que recebeu 13 indicações e é forte candidato na disputa do Oscar 2018. Se irá vencer? Apenas o tempo pode confirmar. Mas a torcida conta com o espírito de todos os Monstros da Universal. Um reforço que não pode jamais ser ignorado.