Após a instauração do Ato Institucional Nº 5 (AI-5), o Brasil vive uma espécie de auge da ditadura militar. O governo não se limitava em acabar com qualquer manifestação popular ou levante revolucionário que viesse a ganhar o mínimo de força, tratando-os como os maiores inimigos à combater. Nesse cenário, ambientado no Rio de Janeiro do final dos anos 1960, Lúcia Murat apresenta seu novo trabalho cinematográfico: O Mensageiro.
O tema da ditadura militar é parte da história de vida de Murat. Aos 22 anos, enquanto participava do Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE), a futura cineasta foi presa e torturada, sofrendo abusos como pau de arara, eletrochoques, espancamentos e violência sexual. E, mais uma vez, ela retrata o peso sombrio que esse período da história nacional possui em sua trajetória, trazendo à tela o que viveu na pele em sua juventude.
No filme, começamos acompanhando Vera (interpretada por Valentina Herszage) na prisão militar e seu carcereiro, o soldado Armando (Shi Menegat). Paralelamente, vemos a busca desesperada de Maria (Georgette Fadel) e Henrique (Floriano Peixoto), pais de Vera, que tentam encontrar a filha desaparecida. Esses dois núcleos de personagens se entrelaçam em uma narrativa que explora temas como liberdade, alienação e justiça dentro de uma sociedade patriarcal e repressora.
Ainda que Lúcia Murat estampe em Vera suas dores e pensamentos, o roteiro – também assinado pela diretora – permite que Armando se desenvolva ao longo das duas horas de filme. Jovem e vulnerável, Armando se vê perdido diante das atrocidades que presencia na prisão militar, questionando a moralidade de uma carreira marcada por suor, gritos e sangue. No entanto, essa tentativa de coprotagonismo é confusa. Vera e Armando não estão ali para se complementarem, mas para expor visões antagônicas de uma realidade que ambos fingem compreender – especialmente Armando.
Ao deixar Vera de lado e apresentar ao espectador mais sobre Maria, Henrique e, até mesmo, Armando, “O Mensageiro” perde um pouco de força em sua narrativa, que me parece flertar mais com uma série do que um longa-metragem. O tema da força feminina se revela nos flashbacks de Vera e no arco de desenvolvimento de Maria, que evolui de uma dona de casa instruída para uma mulher em busca de autossuficiência. Maria alcança, talvez, a liberdade que Vera sempre quis lhe mostrar. Por outro lado, João (Higor Campagnaro) e Henrique terminam da mesma forma que começam.
“O Mensageiro” trata sua história de forma mais contida, apesar de abordar outros horrores, como a atuação fascista da polícia contra um padre em sua parte final. São muitos temas condensados em menos de duas horas de filme, alguns pouco desenvolvidos ou apenas tocados de forma superficial. A questão dos impactos da política autoritária nas classes sociais do Rio de Janeiro é apenas mencionada, e a entrada de Marialva (Beatriz Barros) na trama sugere, de forma sutil, a construção de um pensamento apolítico.
Ainda assim, Lúcia Murat consegue transmitir o horror da ditadura e, na parte final de “O Mensageiro”, lembra que perdoar não é esquecer, mostrando que o Brasil ainda possui uma dívida grande com aqueles cujas vidas e futuros foram destruídos por um governo militar que silenciou sonhos e exterminou vidas.