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O Iluminado e Doutor Sono: conexões entre os filmes e como se completam

Mais de três décadas separam O Iluminado (1980), dirigido por Stanley Kubrick, e Doutor Sono (2019), de Mike Flanagan. Ambos os filmes são baseados em obras de Stephen King, mas o segundo tem uma função dupla: é ao mesmo tempo uma adaptação fiel do romance Doctor Sleep e uma continuação direta do clássico de Kubrick. A relação entre as duas histórias vai além da cronologia, explorando traumas familiares, heranças psicológicas e o poder sobrenatural conhecido como “o brilho”.

O legado de “O Iluminado”

Em O Iluminado, o escritor Jack Torrance aceita o emprego de zelador no isolado Hotel Overlook durante o inverno. Acompanhado da esposa Wendy e do filho Danny, Jack acredita que encontrará paz e inspiração para escrever. No entanto, o isolamento e as forças sobrenaturais do hotel o conduzem à loucura. O que sustenta a tensão do filme é o dom de Danny — o “brilho” —, uma habilidade telepática que o conecta ao cozinheiro Dick Hallorann e o faz ver os espíritos presos no Overlook.

Doutor Sono continua história de O Iluminado

Essa energia psíquica é a chave que une O Iluminado e Doutor Sono. O brilho é mais do que um dom paranormal: é uma herança espiritual e emocional que carrega o peso dos traumas e das conexões entre gerações.

“Doutor Sono”: o que aconteceu com Danny Torrance

Doutor Sono mostra Danny décadas depois dos eventos do Overlook. Agora chamado de Dan Torrance, ele é um homem de meia-idade que luta contra o alcoolismo e tenta controlar as visões e os fantasmas que ainda o perseguem. O filme acompanha sua tentativa de recomeçar a vida ao conseguir um emprego em um hospício, onde usa suas habilidades para confortar pacientes prestes a morrer. É dessa função que vem seu apelido: “Doutor Sono”.

O alcoolismo de Dan espelha a trajetória do pai, Jack Torrance. Em ambos os filmes, o vício representa o esforço de bloquear uma dor interior e o peso da herança familiar. Jack é corrompido pelos fantasmas do Overlook; Dan, ao contrário, encontra redenção ao transformar o mesmo dom que o assombrava em algo capaz de aliviar o sofrimento alheio.

Doutor Sono

A nova ameaça: o Verdadeiro Nó

A sequência de Flanagan introduz uma nova camada de terror com o grupo conhecido como Verdadeiro Nó — uma comunidade de vampiros psíquicos que se alimenta do “vapor” das crianças que possuem o brilho. A líder do grupo, Rose, a Cartola, é uma figura sedutora e ameaçadora que percebe o poder extraordinário de Abra, uma jovem com um brilho ainda mais intenso do que o de Dan.

A conexão entre Dan e Abra é central na trama: os dois compartilham o mesmo dom e se comunicam mentalmente à distância. Ao longo do filme, Dan descobre que Abra é, na verdade, sua sobrinha — filha de Lucy, meia-irmã que nasceu de um caso extraconjugal de Jack Torrance. Esse elo familiar fecha o círculo iniciado em O Iluminado, mostrando que o brilho não apenas conecta o passado e o presente, mas também redime a linhagem marcada pela destruição.

Stanley Kubrick, Stephen King e Mike Flanagan: uma ponte entre visões

A relação entre os dois filmes é também uma ponte entre diferentes visões artísticas. Stanley Kubrick transformou o romance original de Stephen King em uma obra visualmente icônica, mas o autor sempre criticou o resultado por considerar que o filme deturpava a essência emocional de sua história. Mike Flanagan, ao dirigir Doutor Sono, buscou unir essas duas abordagens: respeitou a continuidade do filme de Kubrick, mas restaurou os elementos que King valorizava em seu livro.

o iluminado cena do homem e a fantasia de urso

Flanagan recriou cenários e planos de câmera do clássico de 1980 — como os corredores do Overlook e a icônica porta do quarto 237 —, mas também ofereceu um encerramento emocional que Kubrick havia deixado de lado. Em seu filme, o Overlook é revisitado como um espaço de confronto e libertação: Dan retorna ao hotel para enfrentar os fantasmas que atormentaram sua infância e sacrifica-se para destruí-lo de vez.

O ciclo do trauma e da redenção

Enquanto O Iluminado termina com a queda de Jack Torrance e o triunfo do mal que o consumiu, Doutor Sono oferece uma conclusão diferente. Dan encerra o ciclo de destruição iniciado pelo pai ao enfrentar seus medos e usar o brilho para proteger Abra. O dom que antes representava uma maldição se torna instrumento de empatia e cura.

Flanagan transforma a tragédia familiar de O Iluminado em uma história sobre superação e reconciliação. Ao destruir o Overlook, Dan liberta não apenas as almas presas no hotel, mas também o legado sombrio dos Torrance. O brilho, antes fonte de terror, passa a simbolizar conexão, compreensão e esperança.

Conclusão: duas obras, um mesmo universo

O Iluminado e Doutor Sono se completam como capítulos de uma mesma narrativa sobre herança, vício e poder psíquico. O primeiro retrata a queda de um homem dominado por seus demônios; o segundo mostra seu filho encontrando uma forma de vencê-los. Kubrick e Flanagan dialogam por meio de estilos distintos, mas ambos constroem um universo em que o horror nasce do íntimo humano.

Em última análise, Doutor Sono funciona como uma resposta direta a O Iluminado: onde antes havia destruição, agora há redenção. O brilho — a força que une pai e filho, passado e presente — transforma-se no elo definitivo entre duas das histórias mais marcantes do universo de Stephen King.