O gênero western é um grande provedor de clássicos seja na literatura, filmes ou quadrinhos. Como um aviso de que ainda é possível criar boas mitologias em cima dessa temática, O Estranho Oeste de Kane Blackmoon foi lançado por Duda Falcão através da AVEC Editora.
Nesta obra acompanhamos as aventuras de Kane, um caçador de recompensas mestiço, ou seja, que possui sangue indígena e do povo branco. Maculado por não saber quase nada sobre seu pai e pela morte precoce da mãe, o rapaz vaga por locais que a princípio podemos achar que conhecemos, mas que escondem sórdidas e inescrupulosas criaturas – sejam elas humanas ou não.
Bem-vindos ao estranho e velho oeste
A narrativa do livro é bastante envolvente, promovendo a ambientação adequada para a temática do velho oeste, principalmente no que diz respeito a uma região onde, na maioria das vezes, a lei não irá combater as mazelas da sociedade. Quanto às descrições de personagens e cenários, Duda Falcão faz isso de modo funcional, dando uma fluidez elogiável a cenas que poderiam ser entediantes, mas que com a presença de Kane Blackmoon e a escrita do autor, se tornam algo interessante.
Outro aspecto da obra é que cada capítulo está, em boa dose, isolado dos demais, funcionando como uma história episódica na vida do herói. Esse formato é confortável para o autor, mais do que habituado a escrever e organizar antologias ao longo de sua trajetória literária (como Treze, Comboio de Espectros e Multiverso Pulp, todos pela AVEC). No entanto, não dá pra deixar de desejar que esse ou aquele personagem ou subtrama ganhasse sobrevida.
A abordagem dada ao personagem é a de um homem dividido entre ser indígena ou homem branco. Não que ele possua grandes dilemas sobre o assunto, mas para muitos brancos ele é um índio (sofrendo preconceito por isso), e para muitos índios, ele não passa de um animal domesticado pela dita civilização. Esse tratamento é pontualmente mostrado e ajuda a construir a personalidade do protagonista.
Outro ponto importante que Duda vai deixando um pouco de lado no decorrer da história é o passado de Kane, que não sabe muito sobre o seu pai, como mencionamos acima. Temos aqui um personagem que está numa fase de aprendizado, lidando recentemente com o sobrenatural. Desse modo, cada pessoa que passa pela vida do caçador de recompensas tem a sua contribuição para a modulagem de sua persona.
As criaturas que habitam O Estranho Oeste de Kane Blackmoon são bem inspiradas. A criatura de tentáculos que ilustra a capa tem um envolvimento bastante íntimo com o protagonistas, mas o leitor pode esperar por outros mais – inclusive um conhecido de outros folclores.
Ao longo da jornada de Kane, nos deparamos com mais de uma população indígena e em cada uma delas podemos encontrar indivíduos que são xamãs ou potenciais feiticeiros. Há uma certa rivalidade entre eles e algo agradável na escrita do autor é que a magia não aparece facilmente. Há um (alto) custo para quem explora os fenômenos sobrenaturais neste universo de Duda Falcão. Isso afasta a história de soluções mais preguiçosas, e mesmo quando flerta com isso, o autor mostra cuidado no acabamento da trama.
A edição da AVEC Editora é bem básica, mas caprichada, contando com um epílogo após o término da história. As folhas grossas podem levar o leitor a pensar que irá demorar um pouco para terminar o livro, mas na prática o que temos é uma leitura bastante ágil e emocionante ao longo de pouco mais de 150 páginas. A maravilhosa capa, mostrando Kane e o principal demônio da trama, é de Ed Anderson. Não deixe de conferir esta publicação! Adquira no site da AVEC 🙂