O que fazer quando se investe muito dinheiro em um projeto e ele acaba passando longe de atender suas expectativas? Recomeçar é a primeira resposta que pode surgir. Mas quando o assunto é cinema, as coisas não são tão fáceis assim. O famigerado Esquadrão Suicida de David Ayer mostrou-se um fracasso colossal, além dos problemas de bastidores, e a Warner/DC Comics parecia empenhada em trancar o longa no poço mais fundo do estúdio. Eis que James Gunn entra na equação, carregando o estrondoso sucesso de sua passagem na Marvel. Prometendo total liberdade criativa ao diretor, lição certamente aprendida após o lançamento de Coringa, a Warner novamente retomou a ideia de matar seus personagens mais aleatórios numa tela gigante. E assim renasce O Esquadrão Suicida.
Batizar o filme de Guardiões da Galáxia para adultos significa reduzir muito de seu potencial. Sim, a forma como o diretor trabalha a dinâmica de sua equipe de renegados é essencialmente a mesma. O que podemos chamar de marca registrada. Mas aqui ele consegue ir além, entregando uma diversão caótica, sanguinária e de um coração enorme. Os personagens em tela são bizarros e surpreendentemente cativantes? Então a aventura estrelada por eles terá a mesma assinatura. James Gunn aproveita a classificação indicativa alta para destilar suas ideias mais absurdas de mortes em cenas de ação. E o melhor de tudo, sem soar gratuito. Existe um tom de imprevisibilidade que permeia toda a produção. Quem irá morrer na próxima cena? Não importa, a certeza é que será algo espetacularmente cômico.
Tratado como uma sequência espiritual do outro filme, o roteiro não perde tempo com longas introduções. Algumas linhas de diálogo bastam para que o público esteja minimamente situado dentro da história. A presença de antigos personagens como Amanda Waller (Viola Davis), Arlequina (Margot Robbie), Rick Flag (Joel Kinnaman) e Capitão Bumerangue (Jai Courtney) ajudam nesse processo de ambientação. Isso abre espaço para os novatos, entre eles Sanguinário (Idris Elba), Pacificador (John Cena), Caça-Ratos 2 (Daniela Melchior) e Bolinha (David Dastmalchian). A missão do novo Esquadrão Suicida é simples: invadir a ilha conhecida como Corto Maltese e destruir uma instalação de pesquisas. Com apenas 15 minutos, James Gunn prova que é o homem certo para o trabalho. Nem Deadpool conseguiu entregar tantas mortes diferentes em seus dois filmes. Sem adentrar os spoilers, a primeira cena de ação explica tudo sobre o título da película.
Com tantas informações surgindo na tela, o trabalho de direção consegue se manter bastante estável. Fugindo da estrutura padrão do gênero, O Esquadrão Suicida não cansa o espectador. Embora algumas decisões soem repetitivas, James Gunn sempre recoloca o filme de volta aos trilhos no momento certo. Com outro diretor, a bagunça seria incontrolável. Ele também equilibra os momentos de humor e tensão, entregando assim uma genuína comédia de ação. Até mesmo a noção de uma família disfuncional é trabalhada de maneira mais orgânica, diferente da versão de 2016.
Com tantos nomes em tela, alguns por menos tempo do que outros, o longa investe na interação entre os personagens. E já correndo o risco de soar repetitivo, é algo que Gunn sabe fazer como poucos. O descarte de boa parte do elenco também ajuda nesse processo. Logo, o senso de irmandade entre uma mulher que controla ratos, um assassino treinado e um tubarão gigante de short não parece tão absurda assim. E por mais que essa dinâmica de pessoas diferentes lutando pelo mesmo objetivo não seja nenhuma novidade, a execução é um diferencial. Aliás, nada no filme é tão original quanto parece. Mas isso não passa de um mero detalhe no fim das contas.
Nas atuações, O Esquadrão Suicida entrega boas surpresas. Fica cada vez mais difícil separar Margot Robbie da Arlequina, dado o enorme domínio que ela tem da personagem. Ganhando até mesmo uma das melhores cenas de ação do filme, apenas para mostrar que ela é o rosto da DC no cinema. Idris Elba finalmente se torna o protagonista que sempre esperou durante a carreira, alternando bem entre humor e drama. John Cena ainda precisa se provar como ator, mas seu personagem combina com a persona que estabeleceu desde os primórdios do WWE. Mas é Daniela Melchior quem carrega o coração do filme, servindo como uma bússola moral para boa parte da equipe. Entendo a escala de importância dos atores, mas ela merecia ainda mais tempo para desfilar seu talento.
Ainda que perca força no último ato, curiosamente o que mais se aproxima do filme de super-herói tradicional, O Esquadrão Suicida é garantia de diversão banhada em sangue e piadas de gosto duvidoso. Se levarmos em conta que o Pacificador ganhará uma série no HBO Max, é possível afirmar que dessa vez a Warner está satisfeita com o resultado. Em tempos de versões dos diretores, espero que James Gunn lance a sua no futuro. Essa sim é uma campanha que merece respaldo.