No cinema de ação atual não existe espaço para sutilezas. Tudo precisa ser maior, mais violento e mais explosivo. O espectador não pode ter tempo para respirar e refletir sobre o que está acontecendo em tela, por mais que não exista muita profundidade na história. Isso é algo ruim? Depende do propósito. Para cada Resgate 2 temos um John Wick 4, por exemplo. É normal então imaginar que um filme chamado O Assassino beba dessa mesma água. Mas o que David Fincher entrega, em mais uma parceria com a Netflix, é justamente o oposto. A figura do matador de aluguel imparável é substituída pelo proletário da morte. E a ação é mais um benefício do que uma obrigação.
Além do título chamativo, O Assassino marca o reencontro entre Fincher e Andrew Kevin Walker (responsável pelo roteiro de Seven: Os Sete Crimes Capitais). Temos aqui mais um elemento de empolgação. No entanto, expectativas precisam ser ajustadas. O texto de Andrew, que adapta a HQ homônima francesa de Alexis Nolent e Luc Jacamon, é bem mais contido e objetivo. Os poucos diálogos são soterrados pela narração em off do protagonista. Que por sua vez assume o papel de um narrador não confiável que vende um autocontrole falso em muitos momentos. O tédio imposto pelo filme é a ferramenta essencial para que a trama se desenvolva da maneira idealizada. Matar alguém é um trabalho, e como tal não está livre de regras e mecanismos. E o protagonista entende que faz parte da base da pirâmide social como a maioria da população.
Quando um serviço importante dá errado, o assassino internacional (Michael Fassbender) precisa enfrentar as consequências e eliminar aqueles que ameaçam sua vida. A cena inicial dá o tom do que O Assassino quer nos mostrar. Uma longa sequência em que a narração nos conta o que se passa na cabeça do protagonista. Pensamentos sobre o trabalho, a falta de importância de sua atividade no ciclo natural do planeta, a burocracia que muitas vezes precede o ato de eliminar o alvo e um certo desejo por uma vida diferente. Além de uma luta interna para controlar sua ansiedade. O constante alarme do smartwatch que monitora seus batimentos cardíacos é o que dita sua jornada de trabalho. E o mantra repetido internamente sobre seguir o plano e evitar improvisos impede que ele perca o foco e se entregue à ânsia de quebrar o sistema.
No entanto, é interessante notar a ironia do texto ao transformar o capitalismo num facilitador da vida do protagonista. O Assassino é extremamente conveniente em suas resoluções? Com certeza. Mas o protagonista é consciente de sua realidade e não abre mão de pegar o que lhe oferecem. Precisa de um cartão para acessar um prédio moderno e “seguro”? Sem problemas, só comprar um dispositivo na Amazon. O que renderia uma ótima sequência de ação é resolvido da forma mais banal possível. Nadando contra a correnteza, o personagem sempre busca evitar o confronto desnecessário. É a ilusão de que podemos controlar todos os atos de nossas vidas apenas com preparo.
É estranho utilizar palavras como tédio e burocracia sobre um filme de David Fincher, mas o diretor está no controle de suas ideias aqui. Não se engane pela aparente falta de ambição, ele nunca oferece apenas o básico em seus trabalhos. Como uma engrenagem perfeitamente montada, nada em O Assassino está fora do lugar. Por vezes, o exercício estético supera a substância do longa, mas esses desvios logo são corrigidos. A fotografia de Erik Messerschmidt investe nos tons azulados e escuros para transmitir o cansaço físico e mental do protagonista. Já Trent Reznor e Atticus Ross brincam com a trilha sonora, que passeia entre a música eletrônica e a melodia cativante de The Smiths (que nunca toca nos raros momentos de ação).
E mesmo que tudo em O Assassino esteja perfeitamente equilibrado, fica no ar uma sensação incômoda em alguns momentos. Talvez seja a presença de personagens coadjuvantes que não passam de ferramentas do roteiro. As poucas interações de Michael Fassbender não possuem profundidade. Provavelmente um reflexo de como ele enxerga sua vida. Mas é fato que não temos muito para acompanhar em tela além da jornada de um trabalhador comum com um ofício incomum. Apesar de um papel mais contido, Fassbender brilha na construção de seu personagem. São poucos os atores que conseguiriam entreter o espectador com apenas algumas microexpressões no rosto.
Em seu ensaio sobre as relações de trabalho modernas, David Fincher – também um funcionário do cinema – entrega tensão, mesmo que abra mão da ação desenfreada dos filmes atuais. E ainda que não esteja no topo da lista de seus trabalhos, O Assassino é o que melhor representa o desejo de todo trabalhador no fim do dia: descansar em frente ao mar com a pessoa amada ao lado.