Nona: Se me molham, eu os queimo, dirigido por Camila José Donoso e estrelado por sua avó, Josefina Ramírez, é um filme que tem um conceito incrível, mas que não ganha muitos pontos na execução. Muitas questões interessantes sobre o filme só são assimiladas quando fazemos alguma leitura sobre ele, não sendo suficiente a experiência de assistir.
A avó da diretora fez parte da resistência anti-Pinochet e, por isso, tornou-se uma especialista na produção de Coquetéis Molotovs. Assim, a primeira cena é quase um tutorial de como montar um, o que demostra muito do caráter sugestivo do filme. Sem mostrar a protagonista por inteiro, ela é apresentada botando em prática sua habilidade. Com este fato, Donoso fez uma associação genial, pois usa a força do passado guerrilheiro da atriz principal para colocá-la como responsável pelos incêndios que acometeram o Chile no ano de 2017.
Nona possui diversas cenas caseiras em que Camila filma uma faceta bem verdadeira de Josefina, então ficamos em dúvida se o que assistimos é atriz ou personagem. Nesse sentido, o filme é um experimento curioso que fica entre ficção e documentário, denotando a relação íntima que a diretora tem com sua avó. Mas, se havia alguma ambição em relação ao gênero ficcional, deixa a desejar. É possível perceber a intenção de abordar uma narrativa sobre a ditadura chilena de um ponto fora do lugar comum, porém, se não fosse a sua sinopse ou trechos de diálogos, essa alusão poderia escapar até do observador mais atento. Apesar de ser desenvolvido com base na insinuação, precisa ser descritivo em aspectos centrais para que possamos entender, a começar pelo título.
É notável o esforço dos artistas chilenos por buscar outras leituras, não convencionais, do período ditatorial pelo qual passaram e suas marcas. Ao se deparar com uma obra com este pano de fundo, a vontade é a de ver um sucesso, mas, infelizmente, esse desejo fica um pouco frustrado.
Para quem se interessar, vou aproveitar a crítica para indicar um artigo sobre o assunto, chamado Narrativas de Memória e Violência: Alguns Itinerários Da Literatura Chilena Das Últimas Décadas.
“A narrativa pós-ditatorial rastreia e desenterra as marcas do que passou, aborda a fragmentação da história e, portanto, torna-se um exercício de memória capaz de recriar um passado que se recusa a ser lembrado”.
M, Gilda Waldman. Narrativas de memória e violência: alguns itinerários da literatura chilena das últimas décadas. In: IOKOI, Zilda Márcia Grícoli (ed.). Observatório Itaú Cultural. 22, 2017. p. 91-105.