Com apenas dois filmes no currículo, Jordan Peele conquistou nossos corações e arrebatou nosso interesse de forma inteligente. Agora, em seu terceiro longa, Não! Não olhe! é uma experiência que beira aquilo que já entendemos, mas que vai por caminhos que não sabemos muito bem onde estamos indo e precisamos abraçar inteiramente para não haver frustração. Explico.
A história gira em torno dos irmãos OJ (Daniel Kaluuya) e Emerald (Keke Palmer), que herdam um legado difícil após a misteriosa morte do pai deles, que foi atingido por um objeto vindo do céu em uma chuva esquisita de objetos aleatórios. Eles possuem um rancho, o que dá um ar bem western para a produção, cujos cavalos eles alugam para Hollywood, deixando evidente o quanto ambos precisam ralar mais do que qualquer outra pessoa para se provarem dignos de estar ali. O contexto da obra vai sendo criado bem aos poucos, e eu indico fortemente que prestem bastante atenção a tudo, pois Jordan Peele não poupou os detalhes, utilizando bem o orçamento gordinho que recebeu para esse filme, preenchendo cada canto da tela com um cenário espetacular, uma fotografia que enche mesmo os olhos, e há pedaços importantes da trama que você pode observar (em tese) facilmente por conta disso.
Peele, dessa vez, não estacionou no tema do racismo estrutural, indo bem mais longe e nos cutucando para embarcarmos na loucura dele.
Com uma narrativa que vai trabalhando “lentamente” os temas do longa, o roteiro não se prende em exposições desnecessárias, dando tempo a nós, o seu respeitável público, aquilo que fomos atrás: o espetáculo. Aliás, esse é um dos temas centrais da trama, que envolve tanto quem vende quanto quem compra esses espetáculos no mundo atual.
Mas, prosseguindo um pouco com a história, os irmãos estão em apuros financeiros com o rancho, e situações sobrenaturais e misteriosas se abatem sobre eles, o que lhes dá a ideia de encontrar e mostrar ao mundo, de forma que consigam fama e lucro em cima, essas estranhezas. Claro, não é só eles. Logo ao lado, temos o negócio lucrativo de Jupe (Steven Yeun) – personagem que faz parte da primeira cena do filme, que mostra um programa de TV que terminou por razões bem desagradáveis, com o assassinato de quase todos os membros do elenco pelo protagonista da história: um macaco. Jupe foi o único que saiu intacto e resolveu que vender o seu trauma era uma boa ideia para lucrar (e deu certo). Aqui, as críticas relacionadas a esse tipo de comercialização do sofrimento ficam a cargo do entendimento de quem está assistindo ao filme.
Alguns podem sentir uma certa dificuldade de engolir o que está se passando, mas a frustração pode ser evitada se entrar na loucura de Jordan Peele, que trabalha temas comuns, conhecidos, que fazem parte do imaginário popular, da sua própria maneira. É como aquele seu amigo que não faz muito sentido, então quando ele fala alguma coisa, você só vai na loucura dele, sem pensar muito na coerência da coisa. Não que o filme seja incoerente, ele na verdade é todo bem trabalhado nessa parte. Só a sua lógica é que pode escapar do que estamos esperando. Talvez ir sem expectativas seja a melhor solução.
Não há muito o que falar sobre a história de Não! Não Olhe! sem dar spoilers.
Os personagens são carismáticos à sua maneira. OJ é muito tímido e introvertido, enquanto Emerald é barulhenta e extrovertida, o que equilibra um pouco as coisas. Há poucos personagens, mas cada um é bem estabelecido naquele enredo, e trabalham bem as suas partes. Angel (Brandon Perea) sendo, pra mim, o melhor personagem.
Como dito, em questão de fotografia, Não! Não Olhe! tá lindástico, com cenários que vão preencher cada canto da sua mente com a sua belissitude (sim, estou inventando palavras). Mas o destaque maior talvez seja a trilha sonora, que atua em conjunto com cada elemento para aumentar ou diminuir o suspense, e os sons utilizados… Olha, só digo que tem cena que você fica completamente perturbada pelo que está ouvindo.
Um dos temas que já foram spoileados por aí é a ideia do mau milagre. O que isso quer dizer? Quer dizer que é algo espetacular, inesperado, que a chance de acontecer era 1 em bilhões e aconteceu. Mas nem tudo que é milagre, é bom. Como a cena do Gordy – animais são usados o tempo inteiro em filmes e outras coisas, então o seu surto não era esperado ou cogitado. É só um mau milagre.
O filme passeia entre gêneros, como terror, suspense, fantasia e até mesmo aventura de forma orgânica, encaixando bem as peças. Ah, e para os otakus de plantão, há referência direta a Akira, em mais de uma cena, então fiquem ligados (tem a outro anime, mas seria dar um spoiler). Para os cinéfilos, vocês vão esbarrar em inspirações e influências de vários filmes. Quero ver se vocês adivinham todos.
No geral, na minha experiência, Não! Não olhe! foi uma grata surpresa, e apesar de, para muitos, não chegar aos pés dos outros dois de Jordan Peele, o coloco no mesmo patamar e ainda digo mais: tem uma cena em específico que eu quero muito casar com ela, de tão linda.