Apesar de não ser um dos melhores filmes da Marvel (leia a nossa crítica), Pantera Negra: Wakanda para sempre ainda é uma produção de encher os olhos, com personagens carismáticos e boas cenas de ação. Mas um desses personagens chamou mais atenção do que os outros: Namor (Tenoch Huerta), o senhor de Talokan, cidade fictícia criada para o filme.
Todo mundo que assistiu ao primeiro Pantera Negra sabe que o filme trouxe inúmeras inspirações e referências aos povos africanos, criando assim uma Wakanda que, apesar de não existir de verdade, se parece com algo que conhecemos, que podemos identificar como real. Para a continuação desse sucesso cinematográfico e a criação do seu antagonista, Ryan Coogler resolveu seguir essa mesma estrutura, a de reinventar e trazer algo diferente, que fosse tanto reconhecível como algo surreal quanto como algo que conhecemos. A ideia de reproduzir pela milionésima vez nas telonas o mito greco-romano de Atlântida não o agradava.
Em entrevista ao ScreenRant, Ryan contou:
“Nós estávamos atrás de algo que parecesse verídico e real, e nós pudemos ter um grande mergulho cultural. Isso pareceu fiel ao tema, como se [Talokan] pertencesse a um mundo onde há Wakanda e isso fosse crível, mas também como se fosse um mito; como se as pessoas pudessem se enxergar ali.” [em tradução livre]
Assim, a equipe mergulhou nessa busca, chegando até a cultura mesoamericana, se inspirando majoritariamente nas culturas Astecas e Maias, mas não somente nelas. Nate Moore, único produtor preto da Marvel (até o presente momento), em entrevista ao G1, disse que:
“Junto com o instinto de Ryan de ainda explorar os temas de colonização e o que isso significa, ele começou a focar na civilização maia tanto no passado e no presente, e construiu Talokan da inspiração de ambas essas coisas.” [em tradução livre]
O que trouxe alegria ao coraçãozinho lindo e maravilhoso do ator Tenoch Huerta, que interpreta Namor, e acabou se tornando um colaborador para a criação desse novo universo lindo e do seu próprio personagem, que ele definiu como anticapitalista e anticolonialista. Vale ressaltar que Huerta é engajado na luta contra o racismo no México, militando contra a falta de direitos e por um sistema igualitário. Aliás, ele também chamou o personagem de chairo, uma gíria mexicana que se refere a ativistas de esquerda, que defendem causas sociais como o feminismo, a luta LGBTQIA+, o antiracismo e o anticapitalismo.
Inclusive, o ator ressaltou que, longe de ignorarem a cultura greco-romana que inspirou Atlântida originalmente, “você pode pegar Atlântida dos mitos gregos, ou você pode adaptá-la a partir de uma cultura real“, o que traria uma complexidade ainda maior à trama do que somente se manter em histórias genéricas sobre a cidade submersa.
Em entrevista à Variety, Huerta dá uma ênfase aos cuidados que foram tomados para a produção do filme, o respeito que tiveram com as culturas mesoamericanas e como é importante essa mudança. Em suas palavras:
“É importante que as pessoas se sintam representadas no cinema. E essa mudança foi feita com muito respeito pela cultura mesoamericana, especialmente a cultura maia. É a raiz de quase todo mundo na América Latina. Temos raízes indígenas, raízes negras, temos algumas raízes brancas, mas é fantástico estar aqui e representar esse tipo de etnia. Acho que esse filme traz a proposta correta para fazermos isso.” [tradução livre]
#WakandaForever‘s Tenoch Huerta: “It’s important for people to see themselves in the movies in this way. It was made with a lot of respect for the Mesoamerican culture, especially Mayan culture.” https://t.co/B1NRkHWzXk pic.twitter.com/hfJFAmk5BG
— Variety (@Variety) October 27, 2022
Talokan foi inspirada no mito asteca de Tlalocan, um lugar no qual haveria eternamente abundância na colheita e as pessoas ali não sofreriam privações. Essa cidade, que não é submersa, seria um dos treze céus. Para esse povo, o lugar para o qual você vai no pós-morte é definido pelo modo como morreu. Tlalocan era regida pelo deus das águas, então se você morria afogado, ou com qualquer coisa ligada à água, e trovões, iria para lá.
Há uma conexão direta com o fato de que o povo de Namor teve que “renascer”, passando a viver em um mundo submerso, onde nada faltaria a eles, escapando, assim, da colonização e da crueldade dos espanhóis.
Na cidade de Namor, podemos ver toda a arquitetura inspirada na cultura mesoamericana, além de elementos da cultura local, como, por exemplo, a parte em que pessoas estão jogando algo que muitos de vocês já viram em “O caminho para El Dolrado“. Esse esporte era chamado pelos maias de Pok-ta-Pok, ou Pok-a-Tok, e, pelos astecas, de Tlachtli ou Ullamalizti – o objetivo do jogo era fazer a bola passar por um arco vertical, usando cotovelos, quadris e joelhos apenas.
Em determinada parte do filme, os guerreiros de Talokan, junto com o seu líder, dizem “¡Líik’ik Talokan!“(“Rise Talokan!”). Essa frase não estava no roteiro, mas os atores decidiram que o povo de Talokan deveria ter a sua própria frase de efeito, visto que Wakanda tem a sua, e assim, com a ajuda de um instrutor de idiomas, eles a criaram.
Além disso, o gesto utilizado pelos talokanianos é um sinal de respeito, e sua origem remonta o Códice Zouche-Nuttall, um dos registros pictóricos da população nativa da região que hoje conhecemos como México. Aliás, não só isso, como, de acordo com o próprio Tenoch “tem a ver também com o sol, tem a ver com abrir as coisas. É assim que funciona” [em tradução livre].
O cuidado na retratação dessa nova nação dos filmes da Marvel foi incrível, seguindo os mesmos parâmetros do primeiro Pantera Negra e criando um universo maravilhoso para Namor e seu povo. Outro exemplo desse cuidado vem do compositor da trilha, Ludwig Göransson (Pantera Negra, Mandaloriano), que conta sobre a dificuldade de encontrar o som correto para representar Talokan:
“As cultura e música Maia foram apagadas à força, então não temos como saber exatamente como essa música soava. A primeira coisa que eu fiz, ao pensar sobre como poderíamos reimaginar esse som e essa música, foi entrar em contato com arqueólogos musicais, na Cidade do México. Fui até lá e comecei a trabalhar com esses especialistas, que me mostraram instrumentos encontrados em sepulturas, como conchas do mar e cascos de tartaruga, flautas de barro, e muitos deles soam como sons da natureza. Havia diferentes tipos de assobios, uma flauta chamada ‘silvo da morte’ e outra chamada ‘flauta da verdade’. Todos faziam parte do som de Talokan e se tornaram parte integral para Namor. É interessante como a concha é muito limitada no seu alcance e na melodia que você pode tocar, mas o timbre se assemelha a uma trompa.” [em tradução livre]
Com tudo isso, mesmo que você não tenha gostado da sequência de Pantera Negra, é impossível não se impressionar com Namor e o seu reino, principalmente observando os milhares de detalhes que compõem a cena.
Mas, e aí? Ficou faltando alguma coisa? Conta pra gente o que vocês acharam!