Estamos em uma era que podemos facilmente chamar de “nostalgia”. De repente, há reboots por todos os lados e, dessa vez, a vítima foi Mortal Kombat, cujos jogos já estão no número 11, com uma história bem consolidada. O primeiro filme, chamado pelo mesmo nome do jogo, nasceu em 1995 e o segundo, chamado de Mortal Kombat: Aniquilação, veio dois anos após. Tivemos alguns filmes em animação, como Mortal Kombat Legends: A vingança de Scorpion (2020), séries prequel, como Mortal Kombat Legacy (2011) – que até que foi bom, e a série animada de 1996, Mortal Kombat: Os Defensores da Terra. Tem até mesmo uma tentativa de filme no YouTube, onde Jax tenta desvendar os crimes de Baraka e Reptile na Terra. Uma pena que não deu certo.
Enfim, o foco aqui é o reboot da franquia nos cinemas, chamado apenas de Mortal Kombat, mas que deveria ser “lutinhas”, porque, spoiler alert, acontece tudo, menos o torneio.
A história
Todo mundo sabe ao menos a premissa da franquia de jogos. Não precisa ser nenhum gênio para entender que tem vários reinos, e um deles é governado por um cara supermalvado que quer dominar todos eles e praticamente só falta a Terra – que é defendida pelo semideus, Raiden. Nesse plot, já aconteceram nove lutas em que o nosso planetinha perdeu, e, se perder mais uma, vai pro beleléu ser dominado por Shao Khan – que só perde em malvadeza pro nosso, assim chamado, presidente. Sempre que esses torneios se aproximam, Raiden é o responsável por selecionar os melhores e mais competentes campeões da Terra para lutar por ela. Ou, era como funcionava. Nesse reboot, a pessoa tem que ganhar a marca do Mortal Kombat e é por merecimento. Alguém, em algum lugar, por alguma razão, recebeu essa marca. Se você derrotar essa pessoa, ganha a marca dela. Ou tem que matar a pessoa, não deixa bem explicado.
Mas vamos pelo começo.
E que começo! Vemos Hanzo e sua família vivendo pacificamente (para quem não sabe, Hanzo Hasashi também é conhecido como Scorpion e é líder do clã Shirai Ryu) quando são atacados por Bi Han, ou, como conhecemos, Sub Zero (líder do clã rival, Lin Kuei), que massacra o clã de Hanzo e mata sua esposa e filho, além do próprio, que jura voltar para se vingar. Nada de novo sob o sol, mas a cena de luta é absolutamente linda. De repente, Raiden aparece e pega o outro filho de Scorpion, que a mãe conseguiu esconder, por ser apenas um bebê, e o leva sabe-se-lá-para-onde.
Pula para os dias atuais. Nosso protagonista é Cole, um lutador fracassado que luta naquelas gaiolas ou sei lá o que, que de repente é abordado por Jax e Sub-Zero ao mesmo tempo, e tem que fugir para salvar a si e sua família. A cena só não é um completo desperdício porque dão uma desculpa muito boa pro Jax perder os braços. Ele fica para trás para “segurar” o outro cara, enquanto Cole foge. O motivo de ele ser tão bonzinho com um cara que ele nunca viu na vida é um mistério para mim, mas segue o bonde. O protagonista deixa a família em uma cabana no meio do nada para ficarem seguras e vai atrás de Sonya Blade a mando de Jax (suas últimas palavras como alguém com dois braços de carne).
Parece muita coisa, mas não estamos nem na metade do filme. Isso é só a introdução. Quando Cole encontra Sonya, por alguma razão, ela é obssecada pelo Mortal Kombat e a marca que aparece nas pessoas, e a personagem criou toda uma teoria da conspiração. Sim. A Sonya Blade. Ela mesma. Aquela que se torna uma general fodona nos jogos e chuta a bunda de todo mundo. Meio que acaba casando com o Johnny Cage, mas a gente releva porque é bem construído. Enfim, uma das mulheres mais icônicas da cultura pop se tornou a maluca das conspirações (ela tava certa? Tava, mas ainda assim…). E, de quebra, ela tinha capturado o seu conhecido arqui-inimigo, Kano – que aqui é só um doidinho. Inimigo perigoso? Nop. Um zé ruela que por acaso matou um cara que tinha a marca e “roubou” ela dele. Aí o motivo da Sonya estar com ele, nada a ver com o fato de ele ser um criminoso procurado.
Por coincidência, Kano sabe onde encontrar o local que ela está procurando, que é o templo do Raiden, e eles devem ir. E por eles, eu digo Kano e Cole, porque Sonya não tem a marca. Ela vai de enxerida. No meio do caminho, encontram com Liu Kang, que basicamente é o personagem mais APAGADO da história inteira, e vão conversar com Raiden para entenderem que são escolhidos e blablabla. E aí tem o plano maléfico de Shang Tsung, que é derrotar os humanos antes do torneio, para ele poder pular logo para a conquista, mesmo o deus do trovão lembrando a ele que não é assim que funciona.
E é aí que o filme “realmente começa”.
Por que tão ruim? (COM SPOILERS)
Como já dito, é o filme do Mortal Kombat em que não há Mortal Kombat. Inventaram essa história de marca, que não faz sentido – principalmente porque, como eu já disse, Cole é um lutador FRACASSADO e começa o longa PERDENDO UMA LUTA! Mas a marca dele tá lá. Depois, Shang Tsung fez o plano mais imbecil da vida, real. Matar os lutadores em cima da hora para não dar tempo e eles perderem de W.O. Ok, não é tão imbecil, MAS! Aí vem o questionamento: se a marca pula de uma pessoa pra outra, quer dizer que se o Sub-Zero matasse o Jax, por exemplo, ele ficaria com a marca e teria que lutar pela Terra, ou isso só vale se você tiver nascido por aqui? Dúvidas pertinentes.
E tem um plus para essa marca. Não somente indica que você vai participar do torneio, como ela meio que torna a fonte dos seus “poderes”. Para o Liu Kang soltar sua bola de fogo, é só porque ele a possui, senão, nem faísca. E o Cole, obviamente, não consegue usar seus poderes, não quer participar daquilo e tal, e o Raiden fica putinho com ele. O cara tava apanhando de um humano qualquer! Por que diabos ele iria querer se meter em um torneio de luta que determinaria o destino do planeta?! Mas, claro, por uma sorte do destino, ele é descendente do Scorpion, que aparece de última hora, quando Cole finalmente descobre o seu poder – que é uma armadura dourada que cobre só os peitos e um par de tonfas. Eu jurava que o roteiro ia dar uma guinada e ele ia ser o Scorpion reencarnado e dar uma peia no Sub-Zero, ou algo do gênero (ele passa o filme inteiro tendo uns flashs do Hanzo no inferno, o meu engano tem motivo). Entretanto, o que acontece é que é necessário Scorpion E Cole para derrotarem o Sub-Zero. Momento em que você acaba fazendo uma expressão meio assim:
Kano foi o primeiro dos novatos a descobrir seu “poder”, que é basicamente raio laser pelo olho – ao invés daquele olho mecânico dele. O personagem é literalmente o alívio cômico do filme, tirando totalmente o perigo que ele representa nos jogos e até mesmo nos filmes antigos. Na verdade, não há sensação de perigo durante o decorrer da narrativa, que se esforça em ser uma espécie de apresentação do universo, cheio de referências para os fãs e apelando para a nostalgia, mas sem gastar essa energia para desenvolver bem a trama ou os personagens. A maioria deles é tão apagada e sem personalidade, que passa batido. Kung Lao, por exemplo, é um dos poucos que tem uma presença forte e marcante, mesmo aparecendo pouco. Já Cole é tão mal desenvolvido e sem graça, que dá até para esquecer que ele é o protagonista.
Vale mais a pena reassistir o filme de 1995, ou ir atrás das animações. Ou até mesmo as séries feitas por fãs, que, no geral, são muito boas.
Fica claro que eles querem fazer uma franquia Mortal Kombat, terminando com aquele gancho para um segundo filme e com a ideia de que o torneio ainda vai acontecer. Se vão fazer esse segundo filme, só o tempo vai dizer, porque, sinceramente, esse primeiro foi uma bomba.
Há salvação para Mortal Kombat no cinema?
Sinceramente? Teve gente que achou o filme divertido, e adorou as cenas de luta. Eu, particularmente, gostei de algumas e outras foram tão fracas que nem lembro delas. A história, até onde eu pude perceber, é de um sentimento coletivo de que é ruim mesmo. Claro, você pode argumentar que o filme de 1995 é péssimo, a história é tosca, e blablabla. Pode ser memória afetiva, mas eu ainda prefiro o de 1995. E sim, eu reassisti quando adulta. E sim, sou adulta.
Nesse novo, eles apelam muito para a nostalgia para segurar o filme – fatalyties, golpes, roupas, lutas, a inimizade de Sub-Zero e Scorpion, o príncipe Goro aparecendo etc etc. São momentos legais? São. Porém, entretanto, todavia, não prendem de verdade a narrativa. Ela segue uma linha reta: achar os lutadores, descobrir o plano do Shang Tsung, sobreviver, planejar o futuro, fim. É quase infantil o modo como tentaram desenvolver as coisas para dar mais destaque à nostalgia.
Então, para uma continuação, o foco tem que ser maior em desenvolver a narrativa em si e melhorar as lutas. Fiquei feliz de não ter rolado o famoso “cat fight”, mas deixaram de lado muito dos golpes mais famosos dos personagens – exceto do Sub-Zero, um do Scorpion, Shang Tsung sugando almas e tal… Se eles querem foco em nostalgia, quero ver a chave de pernas da Sonya, aquele murrão do Jax famosíssimo, quero sentir que os “inimigos” são perigosos mesmo – porque eles são! Há uma premissa de que o próximo longa apareça Johnny Cage, por exemplo, mas não acho que seja o suficiente. Senti falta de qualquer referência à Kitana, já que Mileena aparece e tem certo destaque – apesar de estar, também, apagada.
Agora, é esperar para ver se vão conseguir dar continuidade à franquia cinematográfica ou vamos ter que esperar mais 25 anos até o próximo reboot.