Não minto: não sou fã de David Bowie. Mas mesmo não o sendo, já posso imaginar fãs em prantos saindo do cinema depois desse documentário sobre um dos maiores artistas da música que o mundo já viu, que infelizmente faleceu em 2016, deixando muitos fãs órfãos do seu trabalho.
Moonage Daydream não é uma cinebiografia convencional, tal qual o homem (pessoa?) que a inspirou, na verdade, é um mergulho dentro da mente psicodélica, criativa, inquieta, avassaladora de Bowie, exatamente como deveria ser, e a própria estrutura usada aqui foge do convencional, sendo até mesmo difícil de definir exatamente o que estamos vendo dentro de uma categoria. Inclusive, o longa utiliza muitas “luzes piscantes”, coloridas, e imagens que passam de modo acelerado, o que pode afetar pessoas com epilepsia fotossensível, ou com alguma outra doença em que esse tipo de recurso utilizado deve ser evitado.
Longe de tentar responder à pergunta “quem foi David Bowie?”, o diretor e roteirista da obra, Brett Morgen, prefere compor uma espécie de compilado sobre a persona Bowie sob o ponto de vista do próprio Bowie, mostrando material muitas vezes inédito de depoimentos, shows e entrevistas dele. Junto a isso, há também recortes de suas obras favoritas no meio, que se intercalam com as outras, formando um visual muito único, muito espontâneo, que casam perfeitamente com a trilha sonora do filme, que é abundante, utilizando as músicas do artista de forma a completar o que se está querendo contar ali. Claro, facilitou muito o diretor ter acesso aos arquivos pessoais do músico, mas se não souber montar o quebra-cabeças, pode-se perder o rumo.
Foi muito acertada a ideia de deixar o próprio Bowie ir contando sua história, tracejando um pouco de toda a enorme carreira dele em 2h20m de filme. Apesar de brincar com a cronologia, a narrativa não segue uma de forma obrigatória, nos brindando com alguns vai-e-vem na vida do cantor. E não só isso, como até mesmo cada persona de Bowie tem seu tempo de tela, nos ajudando a vê-lo como ele se via em cada época transgressora de sua vida, em cada fragilidade que a pessoa David precisou esconder ou desbravar, quando tentou se esconder do mundo e não pensar em mais nada além da arte, utilizando a arte, como todos nós, como subterfúgio. David Robert Jones era, no fim das contas, não um alienígena, uma fada, um ser mítico invulnerável, ou mesmo um deus ou messias, ele era todas essas coisas juntas no palco, mas, no fundo, sempre foi apenas humano, tão humano quanto qualquer um de nós.
Ao contrário do que se possa esperar, o documentário não “cavuca” polêmicas da vida do artista, provavelmente por ter sido uma obra autorizada com espólio.
O filme não serve de introdutório para quem não conhece David Bowie, isso é fato, mas, ainda assim, vale cada centavo do seu ingresso vê-lo em Imax. É uma espécie de cinebiografia intrigante, que preenche cada canto da telona e também faz um uso muito bom dos sons, chegando a ser barulhento para quem não gosta desse tipo de coisa (eu, por exemplo, que sou neurodivergente e locais com muito barulho me incomodam a ponto de me dar crise de ansiedade).
Mesmo não sendo introdutório, compreende-se perfeitamente quem ele era, o tipo de artista que era, como viveu a sua vida, entre outras coisas, o que é importante para agradar a todos os públicos. Moonage Daydream é aquela viagem louca e gostosa, do jeito que somente David Bowie poderia entregar.