Era manhã de uma quarta-feira e eu estava finalmente chegando ao aeroporto de Confins, em Minas Gerais. Foi uma viagem longa, de cerca de 8 horas, com uma conexão em São Paulo, e eu mal tinha dormido. Eu estava viajando sozinho para o FIQ 2024 (Festival Internacional de Quadrinhos) pela primeira vez, depois de ouvir sobre o evento diversas vezes no podcast Melhores do Mundo. Sim, eu sou um “lamentável”, a forma carinhosa como se chamam os fãs do podcast. Minha experiência de viajar sem companhia tinha tudo a ver com meu nome no Twitter: “Change Sozinho em Casa” (uma piada interna inspirada no site que só quem viveu sabe). O blog tem mais de 20 anos e, se você está no meio da podosfera ou da internet nerd, já deve ter ouvido falar dos caras. Tal como um garimpeiro em busca de ouro, fui para BH com a esperança de encontrar pela primeira vez pessoalmente meus amigos da infame área de comentários, bater um papo com os integrantes do site e participar do famoso karaokê para cantar “Você reclama do meu Apogeu”.
Chegando no aeroporto, já levei um susto ao perceber que ele era muito longe do centro da cidade, onde eu iria me hospedar e participar do evento. Já me veio logo um medo de ter errado o local, mas descobri que ele é realmente longe, e Fortaleza é que está fora da curva ao ter um aeroporto no meio da cidade. Perambulando por lá, encontrei um dos integrantes do MDM que estava no mesmo voo que eu. Thales “Ultra” tinha a fama de ser “badernista” e sem paciência no podcast e até tinha me bloqueado no Twitter, nem lembro o por quê. Depois de ouvir muito o programa, eu sabia que na verdade ele era um fofo, e confirmei isso batendo um papo com ele. Parece besteira, mas há algo mágico em você conversar fisicamente com alguém que antes só tinha ouvido a voz passivamente. Despedi-me com aquele “bora marcar” para os famosos barzinhos depois do evento.
Depois de mais de uma hora, cheguei ao Airbnb e logo vi que o Change original já tinha chegado de viagem com os quadrinhos do MDM para assinar e “vender”. Como sempre, o site estava “destruindo” o mercado dos quadrinhos nacionais. Desta vez, lançando uma HQ em que você poderia pagar o preço que quisesse e/ou fazer uma doação para alguma instituição que estava ajudando na situação do Rio Grande do Sul. Nem descansei direito e já fui correndo para o FIQ 2024, mas claro, parando para comer um excelente feijão tropeiro em um boteco pé de chinelo no caminho. Ao chegar lá, fui extremamente bem recebido pelo Change, Finocchi, Nerd Reverso e Fiorito, que estavam na mesa. O Change é conhecido por ser um fofo, e senti nas palavras e no abraço dele a felicidade por ver a sua outra versão do multiverso lá. Peguei alguns quadrinhos do MDM pela bagatela de 20 reais em dinheiro + 20 em doação + uma cachaça Ypióca e tinha completado meu principal objetivo no evento em poucos minutos.
Como não quis atrapalhar muito os caras, fui dar uma volta no festival. O Festival Internacional de Quadrinhos é como um enorme “artist alley” com quadrinistas e ilustradores super talentosos de todo o Brasil vendendo seus prints, adesivos e, claro, quadrinhos independentes. É revigorante ver que há tanta gente boa conseguindo lançar seus trabalhos autorais, seja tirando do bolso ou com ajuda de editoras. Além disso, o FIQ 2024 ainda contou com painéis, palestras, oficinas, números musicais e outras atrações envolvendo quadrinhos. Tudo isso gratuito, inclusive com visitação de escolas durante a semana. É um evento lindo, muito pessoal, onde você pode bater um papo com os seus artistas favoritos e ver que todo mundo é igual, sem estrelismo. Eu desenho como hobby e às vezes profissionalmente, mas estava um pouco parado; saí do local com vontade de voltar com minhas singelas artes.
Após gastar uma grana no primeiro dia comprando HQs, adesivos e prints, fui finalmente me sentar e descansar um pouco. Nessa hora, coincidentemente, meu nick da área de comentários fez sentido: eu estava sozinho. Já tinha interagido com os caras do MDM dentro do FIQ 2024, mas será que eles seriam tão acessíveis mesmo para bater um papo e tomar umas mais tarde? Será que valeu a pena eu gastar uma grana para viajar e ficar durante todos os dias? Estou passando por uns problemas pessoais e também medicado para depressão e ansiedade, estava contando que essa viagem seria algo terapêutico para tirar um tempo para mim e ter novas experiências. Saindo do evento um pouco cabisbaixo e ainda muito cansado, encontrei novamente o Ultra. Dessa vez, ele estava com alguns amigos, ouvintes e participantes do podcast, e rapidamente ele já me introduziu a todos sem eu pedir. Esse pequeno gesto foi muito significativo, pois de cara já comecei a bater papo com a galera. Um destaque foi que conversei com Raphael Salimena, um dos meus ilustradores favoritos e uma grande inspiração. Um cara super gente boa que no outro dia veio falar surpreso comigo porque tinha, nas palavras dele, “trocado a maior ideia e não sabia que eu era o Change Sozinho em Casa”.
Depois dessa quebra de gelo inicial, já me senti em casa ouvindo tanto as vozes a que já estava acostumado quanto conhecendo gente nova, dentre agregados e outros lamentáveis. Por causa da antiga área de comentários MDM ser um lugar um pouco hostil, muitos de nós usávamos apelidos sem divulgar o nome próprio. Felizmente, o posicionamento do site acabou com a área e migramos para o Twitter, onde podíamos manter os laços com quem importava e bloquear os otários. Como consequência dessa forma única de conhecer uns aos outros, era muito divertido descobrir quem eram os rostos por trás dos famosos nicks com piadas internas. Me senti até uma subcelebridade ao ver pessoas chegando até mim e me perguntando se eu era o Change Sozinho.
Logo no primeiro pós-evento do primeiro dia, já fomos para o after no famoso edifício Maletta e o que vi lá foi surreal. Muitos quadrinistas, pessoas que conhecia da internet, podcasters, editores de quadrinhos. Todos juntos conversando, se reencontrando, fazendo networking e afins. Mesmo sem dormir direito nas últimas 24 horas, me senti revigorado e estava realizando o que para muitos era algo bobo, mas para mim era um sonho. No decorrer dos dias, as andanças dentro do FIQ 2024 e as festas após continuaram cada vez melhores. Conheci ótimas pessoas, encontrei amigos que só conhecia online e até revi um amigo que tinha feito na Coreia do Sul! Não vou citar nomes porque tenho medo de esquecer alguém, mas se você está lendo isso e interagiu comigo, pode ter certeza que te guardo nas lembranças de alguns dos melhores dias da minha vida.
Pude bater papo com o agradável Sidney Gusman (que erroneamente chamei de Cassius Medauar em certo momento) e presenciei o excelente Shiko pintando aquarela usando cerveja como água numa mesa de bar (antes de ganhar meu próprio arte-autógrafo dele). Todos os dias eu falava com a galera, sempre recebendo um gostoso abraço do Change. No sábado, teve o famoso encontro no karaokê que serve como uma despedida e culminância desses dias mágicos. Eu nem estava presente quando cantaram o famoso “Temporal” do Art Popular, mas nem fiquei triste, pois toda a experiência foi muito boa. Apesar disso, posso colocar no currículo que cantei Calcinha Preta com o Shiko.
Escrevo esse texto com lágrimas nos olhos como uma forma terapêutica de exorcizar a depressão pós-viagem. O FIQ é algo extremamente importante para a cultura nacional, um lugar para encontrar amigos e criar memórias únicas. Apesar de grandes editoras “gourmetizarem” a mídia, o quadrinho é acessível, alfabetizador, uma arte milenar e singela. Mas além da exposição da mídia, o festival é sobre encontrar e reencontrar amigos, desconectar da vida e viver uma experiência única. Que venha o próximo em 2026!