O peso da herança de um monstro
Dirigido por Skye Borgman, Meu Pai, o Assassino BTK (My Father the BTK Killer) é o novo documentário da Netflix que revisita um dos casos criminais mais perturbadores dos Estados Unidos sob uma perspectiva inédita: a da filha do assassino. Com 93 minutos de duração, o filme se concentra em Kerri Rawson, filha de Dennis Rader — o “BTK Killer”, sigla para Bind, Torture, Kill (Amarrar, Torturar, Matar). Ao invés de seguir a rota tradicional dos documentários sobre serial killers, Borgman desloca o foco do criminoso para quem precisou sobreviver às consequências de sua revelação. Confira a crítica do filme.
Meu Pai, o Assassino BTK
A história por trás do nome
Dennis Rader viveu durante décadas como um cidadão comum em Wichita, no Kansas. Era casado, frequentava a igreja e participava ativamente da comunidade. Mas, em paralelo a essa fachada, escondia uma das trajetórias mais brutais da história criminal americana: entre 1974 e 1991, matou dez pessoas, escolhendo suas vítimas e registrando seus atos com frieza. Em 2005, foi finalmente preso, encerrando uma caçada que durou mais de trinta anos.
O documentário de Borgman revisita esse período, mas sem o espetáculo típico do gênero. A narrativa mistura arquivos reais, entrevistas com investigadores e, principalmente, depoimentos íntimos de Kerri Rawson. A filha do assassino revive a infância aparentemente normal que teve ao lado do pai, um homem que a ensinou a andar de bicicleta e participava de eventos escolares — memórias que se tornaram impossíveis de dissociar da monstruosidade revelada depois.
Um olhar voltado à família
Ao contrário de produções que reforçam o fascínio pelo assassino, Meu Pai, o Assassino BTK busca compreender as consequências emocionais deixadas para trás. O impacto do caso sobre a família de Rader é o centro da obra. Kerri revela o momento em que descobriu a identidade do pai e o longo processo de aceitar a verdade. Borgman conduz essa jornada com discrição, evitando o sensacionalismo e priorizando o silêncio e as pausas — escolhas que dão espaço para a dor e a confusão se manifestarem de forma natural.
A diretora, conhecida por documentários como Girl in the Picture e The Most Hated Man on the Internet, adota aqui um ritmo sereno, que contrasta com a violência do tema. A montagem equilibra informações sobre os crimes e reflexões sobre o trauma, permitindo que o espectador compreenda o caso BTK sem perder o foco no drama humano.
A complexidade de Kerri Rawson
Kerri não é retratada como uma vítima passiva nem como uma heroína. O documentário a apresenta como alguém em busca de significado em meio ao caos. Ela compartilha dúvidas, medos e momentos de negação, questionando se o pai alguma vez teria representado uma ameaça direta a ela. Borgman não oferece respostas — e é justamente nessa ambiguidade que o filme encontra sua força.
Ao expor as contradições da protagonista, Meu Pai, o Assassino BTK amplia o debate sobre o alcance do mal e o peso das relações familiares. O que significa crescer sob o mesmo teto que um assassino em série sem saber disso? Como é possível continuar a viver quando a identidade de quem você amava se transforma em uma manchete de horror?
Crítica: vale à pena assistir o documentário Meu Pai, o Assassino BTK na Netflix?
Meu Pai, o Assassino BTK é menos uma investigação criminal e mais um estudo sobre a herança emocional do crime. Skye Borgman retira o assassino do centro da narrativa para iluminar as vítimas colaterais — aquelas que herdaram um trauma sem jamais ter cometido um crime. Kerri Rawson, ao revisitar sua própria história, transforma sua dor em testemunho, oferecendo ao público uma reflexão sobre identidade, perdão e sobrevivência.
O documentário da Netflix (assista clicando aqui) não busca respostas definitivas, mas propõe uma pergunta que ecoa muito além dos créditos: até que ponto conhecemos as pessoas que amamos?