Dentre diversos fatores apontados para a perda de duzentos mil assinantes mundialmente pela Netflix (em números totais do balanço mais recente divulgado), um deles é a estratégia de conteúdos nichados demais pela gigante do streaming, com produções que contemplam grupos e categorias absolutamente diferentes (k-dramas, animes etc.). Metal Lords, comédia adolescente adicionada recentemente ao catálogo do serviço, é algo próximo disso por acenar a um público saudosista de uma vertente musical que já teve dias melhores mas, ao mesmo tempo, entrega uma história digna dos melhores “Sessão da Tarde”.
A trama acompanha Kevin (Jaeden Martell), um tímido garoto colegial que tenta tocar bateria numa banda de metal com seu amigo Hunter (Adrian Greensmith), que sonha em ser um grande astro da música. O problema é que, além de se tratar de um tipo de som pouco popular e Kevin ser um péssimo baterista, eles precisam de mas integrantes no grupo para participar da Batalha das Bandas, uma competição musical que pode catapultar o sucesso deles. Entre as dificuldades para encontrar novos talentos, sofrer bullying na escola e a personalidade complicada de Hunter, Kevin encontra Emily (Isis Hainsworth), uma violoncelista que pode representar a solução (ou a ruína) do conjunto.
Meio pastelão, mas vale a sessão
O filme dirigido por Peter Sollett não é muito ousado, mas ainda assim há um certo frescor na abordagem de uma temática sempre dominada por homens, que é a do metal. Personificado (numa dosagem menor) em Hunter, o público dessa vertente musical usa constantemente a misoginia (não querer mulheres numa banda ou achar que o metal não é para garotas) e homofobia (metal é coisa de “macho”). O roteiro oferece, então, uma mulher como a mais erudita dos personagens, além de lembrar que um dos maiores expoentes do heavy metal (senão o maior, levando em conta a estética), Rob Halford, vocalista do Judas Priest, é gay.
Dos criadores de Game of Thrones
Ver a dupla D. B. Weiss e David Benioff num projeto como Metal Lords é curioso, uma vez que se trata de algo muito menor em relação ao fenômeno que foi a série da HBO. Weiss, no entanto, é quem está mais envolvido no projeto, no qual participa como roteirista e produtor (Benioff está nessa como produtor executivo). Outra curiosidade é que eles conseguiram trazer para o projeto o mesmo músico responsável pela icônica e inesquecível abertura de Game of Thrones, Ramin Djawadi. O resultado é uma versão alternativa de War Pigs, canção do Black Sabbath, tendo o violoncelo no lugar dos vocais e o resultado é bem agradável. Tanto que embala os créditos do filme.
O vacilo de Weiss ao escrever o longa fica na abordagem sobre a saúde mental de Emily. Trata-se de um assunto um pouco mais delicado e o roteiro negligencia os cuidados necessários para pacientes que precisam de um tratamento através de remédios. Veja bem: uma personagem tomando atitudes erradas na trama não é o mesmo que fazer apologia a determinado comportamento. No entanto, em algum momento, um bom roteirista precisa deixar minimamente claro que aquilo não é legal. Esse recado pode vir através de um diálogo, que é o mais comum, ou através de outros recursos comunicativos igualmente eficazes, o que não ocorre aqui. Assista Metal Lords e tire suas conclusões.
Outro equívoco, mas não muito relevante – e compreensível para uma comédia mais rasa – é a curva de aprendizagem de Kevin na bateria. De um mero desconhecedor, ele se torna um exímio instrumentista em poucos dias sem estudo algum. Dizer que ele é um talento natural acaba sendo a saída, mas que soa um tanto forçado, soa.
Os Metal Lords
O elenco acaba se saindo muito bem de um modo geral. O protagonista é carente de carisma e Jaeden Martell (que já esteve nos filmes mais recentes de It – A Coisa e Entre Facas e Segredos) não contribui muito, mesmo quando ele ganha mais atributos. A força do filme mora muito mais em Hunter, vivido por Adrian Greensmith. Trata-se do primeiro trabalho dele como ator num longa e seu desempenho está pra lá de satisfatório e tenho certeza que o veremos em mais papéis de destaque no futuro. Hainsworth, apesar dos problemas citados com sua personagem, consegue entregar um bom trabalho.
Destaque para a participação especial de Joe Manganiello, que vive um antigo metaleiro na trama. É uma participação bem rápida, mas bastante divertida. Ainda melhor é a aparição de lendas do metal como Kirk Hammett (Metallica), Scott Ian (Anthrax) e o supracitado Rob Halford.
Numa dimensão diferente, Metal Lords causa no espectador mais animado um efeito parecido com o de The Dirt (divertidíssimo filme da Netflix que acompanha a trajetória do Mötley Crüe), que é o de formar uma banda musical e sair por aí arrasando nas casas de show com direito a muita diversão para colher os frutos da fama.