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Menino Maluquinho: um tempero novo num universo nostálgico

Quando perguntei para uma amiga fã do personagem se ela já tinha visto a série do Menino Maluquinho, a resposta foi: “ah, eu adorava. Gostava muito do filme também.” Entendi que ela não sabia da nova animação da Netflix, estava falando da série mais antiga, exibida quando éramos crianças.

Sabe aquela sensação de que algo foi tirado lá do fundo da memória? De repente me lembrei dessa série live-action, produzida pela TVE, que se chamava Um Menino Muito Maluquinho.

Para minha surpresa, mesmo fazendo uma quinze anos que eu não ouvia a música de abertura, comecei a cantar:

“Para quem vem

É só seguir

Devagarinho

É o Menino Maluquinho

Isso é uma panela?”

Coloquei no site de buscas para encontrar informações sobre ela, mas não aparecem em nenhum dos primeiros links. Até demorou um pouco para encontrar, e o primeiro rastro de informação que encontrei foi naquelas publicações do tipo “descubra como estão os Meninos Maluquinhos hoje em dia”, para que a gente fique impressionado em ver como os atores mudaram. Depois de achar o nome da série e a produtora, ficou mais fácil a pesquisa sobre ela e até encontrei os episódios no YouTube. Mesmo estando disponível na plataforma gratuitamente, pareceu-me que até a internet tem essa produção guardada, mas lá no fundo de um baú.

Com roteiros de Anna Muylaerte, na série dos anos 2000 podemos assistir às passagens de três fases da vida do Maluquinho: quando ele tinha 5 anos, quando ele já era um adulto e quando ele está com 10 anos. A história se desenrola como uma espécie de entrevista com o Menino, em suas diferentes fases, que se revezavam durante um episódio, em uma brincadeira com a cronologia, que dava à produção um aspecto memorialístico. A criança, o pré-adolescente e o adulto comentam para o espectador o que acham sobre as situações que viveram, como um reality show ou documentário, e assistimos às percepções, que mudam dependendo da idade do Maluquinho.

Antes dela tivemos também outras adaptações audiovisuais nos anos de 1990,  dois filmes, Menino Maluquinho – O Filme (1995), produzido pela companhia mineira Grupo Novo de Cinema e TV e distribuído pela RioFilme, além de Menino Maluquinho 2 – A Aventura (1998), longa-metragem de estreia do diretor Fernando Meirelles. No primeiro, o protagonista tem que lidar com o divórcio dos pais e, no segundo, Maluquinho ajuda o avô Tonico a conseguir verba para as comemorações do centenário da cidade, já que o prefeito Costa se recusa a liberar o dinheiro.

Essas adaptações recorrentes feitas desde a concepção em 1980, que apresentam o personagem e cativam as novas gerações, mostram a força que a criação de Ziraldo tem no nosso imaginário. É inevitável a comparação com fenômenos como A turma da Mônica, embora Ziraldo diga que os quadrinhos do Menino Maluquinho não ficaram tão populares entre as crianças como a obra de Mauricio de Sousa.

Reza a lenda que Ziraldo estava fazendo a barba quando, de repente, veio em sua mente a imagem de um menino vestido com um casaco maior que o corpo e usando um chapéu de panela na cabeça, como uma versão maluquinha de Napoleão. Com seus traços e tipos característicos, o Menino Maluquinho foi criado em 24 de outubro de 1980, dia do 48° aniversário do autor.

Suas primeiras histórias foram publicadas como um livro, que conseguem muito bem representar as criativas aventuras da infância. Depois, apareceram como histórias em quadrinhos, séries, filmes e peças teatrais. Não é à toa que o personagem e seu universo se tornaram tão queridos e marcantes para os brasileiros.

O Menino Maluquinho netflix

A nova animação do Menino Maluquinho da Netflix

Lançada em 2023 na Netflix e Produzida pelo estúdio Dogzilla, a nova animação traz o universo de Ziraldo e todos os seus clássicos personagens: além do famoso Menino Maluquinho, encontramos Julieta, Bocão, Junim, vovô Tônico e os pais do Menino.

O traço e os tipos do autor estão presentes, com uma saturação bem mais forte. O universo bastante colorido e o ritmo rápido das histórias de cada episódio nos lembram as animações de hoje em dia, como a brasileira Oswaldo ou a estadunidense O Incrível Mundo de Gumball.

Essa nova adaptação traz equilíbrios interessantes, tanto entre o que é inspiração de fora e o que é cultura brasileira como entre o que é tradicional no universo criado por Ziraldo e o que é contemporâneo. Pode-se perceber a atenção em direcionar a obra para crianças e jovens brasileiros de hoje em dia, embora a carga nostálgica da série possa trazer também um público mais velho.

Aqui, os pais do Maluquinho são divorciados, uma referência às adaptações anteriores. Mas isso não é tratado como algo novo ou especialmente grave para o protagonista que, mesmo sendo uma criança que passa a frequentar uma nova escola, consegue fazer amigos e se adaptar rapidamente. A série, portanto, começa em um novo ciclo da vida dele, mas não se detém nisso muito mais que no primeiro episódio. Entendemos que seu pai é um desenvolvedor de jogos eletrônicos, que usa da ajuda de um aparelho com inteligência artificial que conversa e o auxilia em tudo, mas o nome dele não é Alexa, mas Nogueira. Em alguns capítulos, Maluquinho desobedece os pais e, depois de passar por divertidas confusões, aprende uma moral da história, que não é pedagógica demais e, às vezes nem tem muita lógica. É apenas divertida.

Há um episódio em que o enredo ocorre em uma festa junina. Outro em que Maluquinho e sua turma interagem com uma Carreta Furacão. E mais aquele em que contam uma lenda com xilogravuras, em formato de cordel. Particularmente, adoro essas tramas que exploram nossas manifestações culturais, mesmo que de forma caótica e com senso humor aleatório, elementos presentes nas séries de animação mais atuais.

Assim como o Irmão do Jorel, Menino Maluquinho brinca com a nossa cultura pop, com os memes e as referências que só poderiam estar em uma história escrita por brasileiros. Não que o entendimento seja impossibilitado para o espectador de fora. Só quero destacar o quanto ainda fico animada com a possibilidade de ver algo de tão boa qualidade em que os personagens não estão comendo um hambúrguer e jogando beisebol: elas comem coxinha, pastel, e jogam futebol!