A profissão dos sonhos ou construir uma família ao lado do amor da sua vida? Costumava fazer essa pergunta aleatoriamente a amigos quando era mais novo. Eu, que cresci em uma família cheia de afeto, tive muitos registros positivos que me fizeram não ter dúvidas da minha resposta. No entanto, havia aqueles que, sem titubear, escolhiam a realização profissional. Claro que muita gente alcança ambos, mas esse não é o ponto aqui. E nem na nova série Matéria Escura (Dark Matter), do Apple TV+.
Considero este um dos grandes lançamentos do ano. O tema e a forma como é abordado são particularmente cativantes. A série dialoga com gostos específicos, equilibrando de maneira eficaz a ficção científica com uma história de amor que nunca perde seu foco principal.
Adaptação da aclamada obra homônima de Blake Crouch, que também está envolvido como showrunner, roteirista e produtor executivo da série, a produção começa apresentando Jason Dessen (interpretado por Joel Edgerton, do ótimo filme “Guerreiro” e intérprete do tio Owen em “Star Wars: A Ameaça Fantasma” e “Obi-Wan Kenobi”), um professor universitário que dá aulas introdutórias sobre física quântica carregando a frustração de não ter vencido na carreira como um físico de sucesso. O que se tornou uma marca dolorosa de sua história ganha um peso menor ao sabermos que Jason se casou com Daniela Vargas (vivida por Jennifer Connelly, de “Top Gun: Maverick”), seu grande amor, e ambos tiveram um filho, vivendo uma vida sem muito luxo, fruto de uma escolha que eles nunca se arrependeram.
Daniela também carrega profissionalmente uma história parecida, tendo desistido de uma carreira promissora como artista plástica para se tornar curadora em uma galeria de artes de Chicago. A vida do casal parece estar no lugar certo, apesar dos sonhos que deixaram pelo caminho – e da dor por terem perdido um dos filhos. Nesse cenário, a série nos convida a conhecer a rotina da família até que um incidente muda drasticamente a vida deles.
“Matéria Escura” pode parecer mais lenta em seu início (a geração TikTok pira), mas traz um ótimo ritmo introdutório que permite entender bem sobre os gostos e desgostos da vida de Jason e Daniela. Isso acontece para que, não mais que de repente, a rotina de ambos sofra um revés que se ancora no fantástico: Jason é roubado de sua realidade para ser jogado em uma realidade paralela onde o fruto de suas escolhas desencadeou um futuro diferente para o casal.
Na outra realidade, Jason não escolheu o amor, mas sim a profissão e isso permitiu com que ele alcançasse todo o sucesso que ambicionou, tornando-o um físico de muito prestígio. O que achei curioso – e que me incomodou um pouco – é que a versão paralela de Jason parece não ter muitos escrúpulos, sendo uma pessoa bem diferente do Jason que assume o protagonismo da série, que é repleto de nobres valores.
Temos então um “Jason do bem” e um “Jason do mal” e esse maniqueísmo poderia não ser tão gratuito. Mas ainda assim, isso não é algo que estrague a experiência do programa. E nem o torna completamente inverossímil, visto que as jornadas de cada um os levaram a construir ao longo dos anos uma personalidade diferente – aqui aparentemente bem diferente. Voltando à experiência vivida na série, sua trama entrega elementos engajantes, tornando-se um daqueles pratos irresistíveis para quem adora criar teorias ao longo dos episódios. Não espere a mesma complexidade de “Dark” (leia a crítica), nem o tom aventuresco de “De Volta para o Futuro”, mas por algum motivo aqui e ali conseguimos lembrar dessas produções.
Falando um pouco sobre os atores, a escolha do casal de protagonistas foi um grande acerto. Joel Edgerton sempre manda muito bem no papel do cara acima de qualquer suspeita, que a gente torce demais pra ter um “happy end”. Seu desafio em “Matéria Escura” está muito mais em encarnar a versão mais ambiciosa de Jason, mas que Edgerton sustenta de forma convincente. Jennifer Connelly é outra que sempre é uma ótima adição em qualquer elenco. Mesmo no livro sua personagem sendo de origem latina, aqui ela está longe de comprometer, conseguindo imprimir seu brilho mais uma vez.
No elenco principal ainda temos a brasileira Alice Braga (Esquadrão Suicida; Eduardo e Mônica), Jimmi Simpson (Westworld) e Dayo Okeniyi (Fresh). Dá pra ver aí que o cuidado com o casting foi algo tido como prioridade.
A série tem uma “barriguinha” no meio da temporada, repetindo-se ao explicar as regras do seu multiverso algumas vezes, mas é importante não se deixar levar pelo vício em narrativas sempre dinâmicas e de satisfação imediata. Se você for mais paciente, a escolha por “Matéria Escura”, em meio ao multiverso de programas que disputam sua audiência, se mostrará muito recompensadora.