Em 2017, lançada a segunda temporada de Master of None e questionado sobre uma possível terceira, Aziz Ansari respondeu que preferia esperar para viver algo diferente, como casar ou ter filhos, e então ter questões inquietantes como fonte para poder construir uma narrativa autêntica. Mal sabia ele que seria acusado de assédio um tempo depois. O ator não se justificou, nem falou sobre o ocorrido até que, um ano depois, rompeu o silêncio no especial da Netflix Aziz Ansari: Right Now, antes de começar a zoar os estadunidenses brancos em seu stand up.
Talvez pela polêmica envolvendo sua imagem, ou por achar que ainda não aconteceu um fato tão importante em sua vida, que preferiu colocar Dev, o personagem que interpretava, para o escanteio. Nesta temporada, os holofotes estão em Lena Waithe, que interpreta Denise e também assina o roteiro. Começamos a acompanhá-la após o sucesso de seu primeiro livro, com o qual conseguiu comprar uma casa de campo, longe da agitação de Nova York, e trabalhar exclusivamente na escrita de seu próximo volume. Assim, logo no início, temos a impressão de que os episódios se concentram mais no antes ou no depois dos acontecimentos que demarcam os novos ciclos na vida das personagens.
Enquanto Denise lida com a pressão para repetir o êxito, os outros millennials ao seu redor enfrentam suas frustrações profissionais e amorosas. Dev é um exemplo: ao visitar a bela chácara em que sua amiga vive junto com a esposa Alicia (Naomi Ackie), revela que voltou a morar com os pais por não conseguir deslanchar com sua carreira de ator. Na mesma noite, troca ofensas com a namorada quase sem constrangimento, mostrando que seu relacionamento também não vai para frente, o que, em um primeiro momento, parece uma realidade distante da relação entre duas anfitriãs.
Então vamos entendendo que Alicia, na verdade, passa pela mesma insatisfação, mas deixa suas necessidades em segundo plano para desempenhar o papel de acessório de sua companheira. A esposa simpática e encantadora de uma escritora bem-sucedida, que serve para pintar melhor o seu quadro. Só que Denise fuma mais do que consegue render na escrita e, quando Alicia lhe cobra a promessa sobre as duas finalmente terem um filho, ela não parece tão disposta a embarcar nesse compromisso. A partir daí, o desgaste do casamento delas fica inevitável.
A separação de duas pessoas que se amam é desenvolvida com delicadeza e muitos silêncios. Para representar como anda a relação de Alicia e Denise, Aziz usa de closes repetidos em pormenores da casa, ou cenas constantes das duas dançando pelos cômodos. Além disso, sua direção não teve medo de se deter em pequenos detalhes, deixando o espectador observar, por um bom tempo, Denise comer um sanduíche escondida da esposa, ou então Alicia esperar suas roupas rodarem na máquina de lavar.
Também chama atenção o fato de que evita dar tempo de tela a pessoas brancas. Elas só passam de raspão e, se são necessárias em algum diálogo, aparecem com voz in off ou de maneira que não conseguimos diferenciar os detalhes de suas feições. Assim, a negritude com a qual Denise se cerca e se fortalece é evocada não só em suas falas, mas também na construção visual da história.
Inclusive, faz da sua pequena fazenda um paraíso particular, repleta de livros e adereços que remetem à cultura afrodescendente. Mesmo fisicamente longe da sociedade e não sendo esse o foco da história, entendemos que a identidade de Alicia e Denise – duas mulheres lésbicas e negras – está em tudo, principalmente nos assuntos mais íntimos. No texto, Ansari e Waithe encontraram uma forma de expressar essa visão de mundo e até os conflitos enfrentados por elas com humor. Somente em algumas situações achei os diálogos mais explicativos do que o necessário, contrastando um pouco com o tom da série.
Não me parece que se importaram muito com um padrão de formato, com duração ou quantidade de episódios. O diretor filmou o material que achou satisfatório e, ao final, juntou o que parecia fazer parte de um mesmo arco dramático. O resultado é um conjunto de cinco capítulos, alguns com quase uma hora e outros com cerca de 30 minutos. É interessante como ele explora a passagem do tempo e o que ocorre entre os episódios, sem necessariamente mostrar. Ainda assim, parecem mais um grande filme repartido em alguns trechos, e esse suposto mega-longa-metragem seria um desses longas que ganham festivais.
Lembro que a série Master of None me conquistou com Pais, segundo episódio da primeira temporada, e um dos meus favoritos é O ladrão, que começa a segunda, ambos dirigidos por Aziz. Os dois têm uma narrativa mais convencional do que qualquer um da terceira, mas já mostravam a potência e sua vontade de experimentar enquanto cineasta. Por isso, mesmo tão diferente das anteriores, sinto que não há nada nesta temporada que não esteja exatamente como ele planejou.
Enfim, tudo mudou. É uma série totalmente nova, que poderia muito bem se chamar apenas Moments in Love e não mais Master of None. Denise não é mais aquela jovem descontraída que se aventurava pelas ruas de NY, os romances de Dev não importam e toda a forma de contar está diferente. Mais devagar desta vez, com muitas curvas no caminho e, se há reviravoltas, não transmitem a mesma intensidade do que em narrativas mais tradicionais. É entediante como a vida, que nos dá o que esperamos quando a gente nem espera mais. Ou nem isso. Mas vale a pena assistir.