Nova série da Marvel acerta pela representatividade cultural
Representatividade conta muito. Ter em outra pessoa (seja real ou não) atributos que nos conectam a ela fazem toda diferença na hora de escolher um lado, consumir um produto ou até mesmo se sentir incluído no mundo. Luke Cage, nova série da parceria Marvel / Netflix, chega para trazer questões como essa no universo dos super-heróis com viés mundano da Casa das Ideias.
Depois dos eventos de Jessica Jones, Luke Cage (Mike Colter) busca refúgio na barbearia do Pop (Frankie Faison) no Harlem, bairro novaiorquino. Luke é um foragido da justiça, mas terá seu anonimato testado frente a crescente onda de violência do local, sob o domínio de Cornell Stokes (Mahershala Ali) também conhecido como Boca de Algodão, com apoio de sua prima vereadora Mariah Dillard (Alfre Woodard).
O grande mérito da série é a identificação com o afro-americano. Luke Cage foi um dos primeiros super-heróis negros a serem publicados, e com grande inspiração no movimento blaxploitation da década de 1970 (veja aqui um artigo especial sobre), e o trabalho de inserção cultural pelos produtores (liderados por Cheo Coker) foi primoroso, chamando atenção para esses ícones americanos como Crispus Attucks, além de prestar a devida homenagem a quem já os conhece.
Um aspecto importante é a velocidade narrativa. Não há muita enrolação apesar de tratarmos de uma série. Veja Pop, por exemplo: seu trágico destino não demora para acontecer, ao mesmo tempo que o personagem já foi muito bem trabalhado na trama, e ele continua onipresente até o fim dos episódios pelo seu ideal e conduta. Isso beneficia muito a profundidade do protagonista e contribui para a devida agilidade do que é mostrado.
A atuação de Mike Colter como Luke Cage incomoda às vezes, principalmente nos diálogos onde o ator parece pouco à vontade. Mesmo assim, Colter consegue mandar surpreendentemente bem em algumas ocasiões como no poderosíssimo desabafo ao final do segundo episódio, e nas tiradas cômicas (você passará a ver o convite para um café com outros olhos). A impressão que fica é de que ele depende de um bom roteiro, pecando no improviso. Nada que atrapalhe a viabilidade de novas aparições do personagem, muito pelo contrário: queremos mais em Os Defensores e numa eventual segunda temporada!
Cornell e Mariah roubam a cena em muitos momentos (quase todos no Harlem’s Paradise) principalmente pela qualidade dos atores que estão muito entrosados em seu drama familiar próprio, com diálogos muito carregados com a emoção do passado vivido a pulso firme sob a tutela de Mama Mabel. A detetive Misty Knight (Simone Missick) foi outra grande adição, mostrando o quão rico é esse universo particular da Marvel.
Cuidado com a expectativa: não espere cenas de ação super coreografadas como em Demolidor, que notadamente recebe mais investimentos nesse departamento. Jessica jones sofreu do mesmo problema. Mas isso não exclui cenas empolgantes como a luta final contra Kid Cascavel (Erik LaRay Harvey) e a invasão ao conjunto habitacional.
Os tão apreciados easter-eggs e referências são elevados à milésima potência aqui. Não bastasse as conexões com o universo Marvel como as Indústrias Hammer (Homem de Ferro 2, que dessa vez não dão vexame), Claire e suas frequentes lembranças do ex-namorado advogado (Demolidor), o Acordo de Sokovia (Capitão América – Guerra Civil) entre tantas outras (os uniformes clássicos e bregas estão incríveis!), há também as já citadas referências à cultura afro-americana. São tantas que em certos momentos não sabemos do que os diálogos se tratam. Vale a pena assistir mais de uma vez para não ficarmos boiando como Steve Rogers.
Se levarmos em conta a onda de protestos atual nos EUA por conta de abusos policiais contra negros pode até parecer que Luke Cage está pegando leve no começo, mas aos poucos a série se torna algo consolidado, numa clara e atual mensagem à sociedade. A aversão a termos racistas como “nigga” e as camisetas furadas de balas estão aí para mostrar que o Harlem é o verdadeiro protagonista de Luke Cage, e sua alma também é à prova de balas.