Diretor de Ringu (O Chamado) retorna à sua franquia de terror (disponível no Prime Video)
O diretor Hideo Nakata, responsável por redefinir o terror japonês com O Chamado (Ringu, 1998) e Água Negra (2002), retorna ao gênero que o consagrou em Lugares Amaldiçoados: Possessão (Stigmatized Properties: Possession, 2025). O filme, produzido pela Shochiku, funciona como uma sequência espiritual de Propriedades Estigmatizadas (2020) e revisita o conceito de espaços “amaldiçoados” que se tornaram atração para os curiosos — e lucro para quem se dispõe a habitá-los. Confira a nossa crítica do terror no Prime Video:
O enredo e a jornada do protagonista de Lugares Amaldiçoados: Possessão
A história acompanha Yahiro Kuwata (Shota Watanabe), um jovem operário que abandona o emprego em Fukuoka para tentar a sorte em Tóquio como personalidade da televisão. Influenciado por seu agente, Sr. Fujiyoshi (Kotaro Yoshida), Yahiro se muda para apartamentos marcados por tragédias — conhecidos no Japão como “propriedades estigmatizadas” — e grava sua experiência com fenômenos sobrenaturais para o público.
Conforme ele ganha visibilidade, o sucesso online passa a se misturar a um crescente contato com o sobrenatural. A cada nova moradia, Yahiro encontra aparições e histórias de dor que o levam a questionar até onde está disposto a ir pela fama. No meio desse processo, ele se envolve com Karin (Miku Hatta), jovem atriz com quem compartilha a solidão e o medo em meio às assombrações.
Estrutura e estilo narrativo
Nakata organiza Lugares Amaldiçoados: Possessão como uma antologia dividida em quatro episódios. Cada novo ambiente traz uma maldição diferente — de apartamentos a pousadas — e um novo tipo de espírito. Essa estrutura mantém o ritmo dinâmico e ajuda a variar o tom do terror, ainda que os elementos sobrenaturais sejam familiares aos fãs de J-horror.
O diretor reutiliza símbolos clássicos, como os fantasmas de longos cabelos e as presenças infantis, mas insere um tom curioso de humor e leveza em certas passagens, o que cria contraste com a tensão crescente. Essa combinação de drama, comédia e horror lembra tendências recentes do cinema japonês, como Sadako DX (2022) e House of Sayuri (2024), em que o medo é dosado com momentos de alívio cômico.
Temas e simbolismo
No centro do filme está a ideia de voyeurismo e exposição — a busca por atenção nas redes e o desejo de transformar o medo em espetáculo. Yahiro é um personagem que voluntariamente se coloca em perigo em troca de reconhecimento, refletindo a lógica da cultura digital contemporânea. A presença dos fantasmas, portanto, funciona menos como ameaça e mais como espelho psicológico das consequências dessa exposição.

O roteiro, assinado por Daisuke Hosaka, questiona se até mesmo os mortos podem oferecer consolo aos vivos. Em meio aos sustos e às perdas, Nakata constrói uma narrativa sobre a possibilidade de cura emocional, um elemento raro em seu cinema. Essa tentativa de humanizar o terror resulta em um desfecho ambíguo e melancólico, no qual o sobrenatural é tratado como extensão dos traumas pessoais.
O elenco e o trabalho de direção de Hideo Nakata
Shota Watanabe, em sua estreia como protagonista, entrega uma atuação contida que combina bem com a personalidade obstinada de Yahiro. Sua aparente indiferença diante do perigo acentua o absurdo da situação: ele continua gravando mesmo diante do horror. Já Miku Hatta traz sensibilidade à personagem Karin, cuja trajetória esconde segredos revelados apenas no último ato.
Hideo Nakata demonstra controle sobre o ritmo e a atmosfera, especialmente nos momentos de tensão silenciosa. Os cenários — dos apartamentos claustrofóbicos às pousadas tradicionais — são filmados com atenção aos detalhes, destacando o contraste entre o cotidiano e o sobrenatural. A fotografia aposta em sombras densas e iluminação mínima, reforçando o caráter opressivo dos espaços.
O final explicado de Lugares Amaldiçoados: Possessão
No último segmento, Yahiro descobre que Karin na verdade se chama Riho e que o Sr. Fujiyoshi, seu agente, é o espírito de seu pai morto, responsável por guiá-lo desde o início. A revelação conecta todas as propriedades anteriores e transforma a narrativa em uma reflexão sobre reconciliação e perdão. O encontro final entre pai e filha introduz um raro momento de serenidade dentro do horror, sugerindo que até as presenças fantasmagóricas podem carregar intenções de afeto.

A partir desse ponto, Nakata abandona o terror explícito e opta por uma conclusão simbólica: os espaços estigmatizados deixam de ser apenas lugares de morte para se tornarem locais de passagem, onde vivos e mortos compartilham o desejo de se libertar.
Crítica: vale à pena assistir Lugares Amaldiçoados: Possessão no Prime Video?
Medo cotidiano bem explorado por Hideo Nakata
Lugares Amaldiçoados: Possessão reafirma o interesse de Hideo Nakata em explorar o medo cotidiano e as fronteiras entre o real e o espiritual. Embora repita alguns clichês do J-horror, o filme oferece uma visão mais emocional do gênero, aproximando o sobrenatural da experiência humana. É uma obra que dialoga com o passado do diretor, mas também revela sua tentativa de reinterpretar o terror japonês para uma geração conectada e acostumada a transformar o medo em espetáculo.