A estreia de Limpa (Limpia, 2025), novo longa da diretora chilena Dominga Sotomayor, chega à Netflix (assista aqui) como uma das produções latino-americanas mais sensíveis do ano. Baseado no romance de Alia Trabucco Zerán, o filme apresenta uma narrativa intimista que mergulha nas contradições sociais e emocionais do Chile contemporâneo, por meio da relação entre uma mulher invisibilizada e a criança que aprende a enxergá-la. Confira a crítica do filme chileno:
A trama de Limpa e seus silêncios
Protagonizado por María Paz Grandjean, Limpa acompanha Estela, uma mulher que deixa o interior do país para trabalhar como governanta em uma casa de família rica em Santiago. Seu cotidiano passa a girar em torno de Julia (Rosa Puga Vittini), uma menina de seis anos que vive em um ambiente cercado de luxo, mas emocionalmente distante. A convivência entre as duas se transforma em um vínculo genuíno, atravessado pela ternura e pela solidão de ambas.
Sotomayor constrói esse laço de forma discreta e observadora. A diretora evita melodrama e aposta em longos silêncios, gestos contidos e enquadramentos que refletem a hierarquia social que separa as personagens. Estela vive à margem, mas sua presença é o que mantém a casa — e a própria menina — em equilíbrio. Em contrapartida, os pais de Julia, interpretados por Ignacia Baeza e Rodrigo Palacios, surgem como figuras ausentes, presos à indiferença do privilégio.
Temas sociais e o olhar de Dominga Sotomayor
O filme avança como uma reflexão sobre o “trabalho de cuidado invisível” exercido por tantas mulheres no Chile e na América Latina. Estela é uma das muitas que dedicam suas vidas para sustentar o bem-estar de outras famílias, enquanto as próprias permanecem distantes. Limpa não busca idealizar ou vitimizar sua protagonista, mas revelar a delicadeza e o desgaste emocional de quem vive servindo.
A diretora transforma esse tema em um estudo visual e emocional. A água — presente em piscinas, chuvas e reflexos — aparece como metáfora constante para os fluxos de afeto e dor que movem as personagens. É nesse ritmo lento e contemplativo que Limpa constrói seu comentário social sem didatismo, permitindo que o espectador sinta o peso das ausências e o silêncio das desigualdades.
Atuação e construção emocional do filme Netflix
María Paz Grandjean entrega uma performance contida, sustentando toda a narrativa com pequenas expressões e olhares. Sua Estela carrega exaustão e dignidade em igual medida, uma mulher que tenta preservar sua humanidade mesmo quando o mundo insiste em reduzi-la à função que exerce. Rosa Puga Vittini também impressiona pela naturalidade: sua Julia traduz a curiosidade e o afeto infantil diante de um mundo que ela ainda não entende.
Crítica: O final explicado de Limpa (Limpia) – vale à pena assistir na Netflix
O desfecho de Limpa é marcado por um acontecimento trágico que revela o custo invisível do trabalho emocional de Estela. Um episódio de negligência — espelhando a própria dinâmica de descuido que ela sempre presenciou — encerra a história de forma silenciosa e devastadora. A personagem percebe, tarde demais, que dedicou sua vida a um lar que nunca foi seu.
Sem recorrer ao choque visual, Sotomayor finaliza o filme com a mesma sutileza que o percorre. O silêncio do último plano ecoa como uma reflexão amarga sobre culpa, amor e desigualdade. Limpa permanece na memória por mostrar que, em um mundo dividido por classes e afetos condicionais, a empatia pode ser o gesto mais revolucionário de todos.