A franquia de “Kung Fu Panda” é uma das minhas favoritas. Bem, ao menos do 1 ao 3, pois já adianto que vou fingir que Kung Fu Panda 4, lançado recentemente, não existe. Porém, vamos começar pelo começo, lá em 2008, para que eu consiga passar o meu argumento corretamente.
A saga de Po (Jack Black) começa quando o panda sonhador acidentalmente (ou não) cai no meio do evento em que o Mestre Oogway (Randall Duk Kim) vai escolher o novo Dragão Guerreiro, um ser praticamente místico, um lutador imbatível, invencível, que deverá proteger todo o Vale da Paz e o Castelo de Jade. Entre os possíveis candidatos estão os famosos Cinco Furiosos, Tigresa (Angelina Jolie), Macaco (Jackie Chan), Víbora (Lucy Liu), Louva-a-Deus (Seth Rogen) e Garça (David Cross), alunos do honorável Mestre Shifu (Dustin Hoffman), que tem altas expectativas em relação à cerimônia quando o desajeitado panda Po (Jack Black) cai exatamente na frente do dedinho trêmulo de Oogway. Ele ainda tenta se desvencilhar, mas o dedo o segue e ele é anunciado como o novo Dragão Guerreiro, para a indignação de todos – exceto do próprio mestre tartaruga. Nesse meio tempo em que o panda precisa treinar, pois nunca deu um soco na vida, o “vilão” Tai Lung (Ian MacShane) se liberta da sua prisão teoricamente inescapável para ir buscar o que ele considera como sendo dele: o posto do Dragão Guerreiro.
O filme de 2008 traz inúmeras nuances, tendo em seu centro, além do extremo respeito com a cultura chinesa, a filosofia. Aqui, os dois mestres apresentados representariam o Taoísmo (Oogway) e o Confucionismo (Shifu), ambas utilizadas de forma bem colocada e relativamente equilibrada (jogam uma sardinha a mais pro Taoísmo) ao longo da trama. Em termos bem grosseiros e resumidos, essas filosofias o “oposto” uma da outra, já que a primeira é sobre aceitar as coisas como elas são e deixar o fluxo da vida seguir, e a segunda tem a ver com controle. Há uma cena em específica entre os dois mestres que explica isso, no qual Shifu, após Oogway lhe dizer que ele não pode controlar o que vai acontecer, responde que “há coisas que podemos controlar. Posso controlar quando a fruta cairá. E posso controlar onde plantar a semente. Isso não é ilusão, mestre“. E, sabiamente, o mestre tartaruga rebate: “Olhe para esta árvore. Eu não posso obrigá-la a dar flores quando me convém, nem a dar fruto antes da hora. E não importa o que faça, essa semente se tornará um pessegueiro. Pode desejar que seja uma maçã ou uma laranja, mas terá um pessegueiro“.
No mais, essa noção filosófica é um segmento imprescindível para o andar da carruagem ao longo dos três primeiros “Kung Fu Panda”, principalmente porque um dos principais pontos da jornada de Po é sobre autoconhecimento. São muitos temas, que, particularmente, acho até que bem trabalhados dentro das suas limitações de tempo, e que são repassados de forma pontual para o seu público. “Kung Fu Panda 3” fechava bem a história do Dragão Guerreiro, pois Po finalmente se torna o Dragão Guerreiro. Sua jornada estaria completa.
Mas, aparentemente, não, já que o estúdio DreamWorks Animation resolveu fazer um quarto filme. E errou feio, perdendo muito do significado da franquia, embora “Kung Fu Panda 4” permaneça com o mesmo nível de diversão que os outros.
Aqui, não há como saber quanto tempo de passou desde que Po se tornou o Dragão Guerreiro, mas Mestre Shifu insiste que, agora, o jovem panda precisa encontrar um substituto, pois o vale precisa de um mestre sábio, lugar que o próprio panda vermelho não quer ocupar por, pelo que entendi, puro despeito. Ele não simplesmente conversa com Po, ele realmente exige que a sua vontade seja feita. Para a sorte (?) de Po, aparece uma raposa, Zhen (Awkwafina), roubando as coisas do Palácio de Jade, e que, por um acaso, sabe sobre uma figura que ele está investigando, a vilã do filme: Camaleoa (Viola Davis).
O tropo da garota que cresceu na rua com o cara atrapalhado mas poderoso está completamente presente, em uma narrativa bem fraca, que entrega até mesmo incoerências em relação ao personagem do Po para fins de comédia. O que me tirou várias vezes do filme, pois ficava “ué?”. O roteiro tenta entregar demais algo muito engraçado, provavelmente porque sabe que não tem conteúdo. Inventaram essa trama do Po agora ter um próximo nível para alcançar e se entender como um mestre sábio, sendo que não há jornada alguma em relação à sabedoria. É uma aventura sem alma, com uma vilã fraca, que é aproveitada de forma porca, bem genérica e nem um pouco assustadora.
Como assisti dublado, não posso dizer como está a performance de Viola Davis, mas Taís Araújo como a voz da Camaleoa se esforça muito para dar um tom ameaçador à sua personagem. Que não dá muito certo. A dublagem brasileira está boa. Inclusive, Daniele Suzuki como Zhen está incrível, ela consegue “substituir” Awkwafina com maestria, mesmo tendo um tom de voz bastante distinto.
Com certeza você deve rir em alguns momentos do filme, e deve se divertir, se não pensar muito. A criançada provavelmente vai adorar, mas fiquei decepcionada ao ver o que fizeram com uma história tão bem-construída que haviam desenvolvido anteriormente. Tinha a necessidade de um novo filme? Não, mas já que era para ter, deviam ao menos honrar o que já havia sido feito com tanto cuidado. “Kung Fu Panda 4” é uma promessa que não se completa, exceto se você tiver de dez anos.