A subversão da clássica construção dos heróis está em voga, consequência da enxurrada de filmes e séries da linha Marvel e DC Comics que habitam nosso imaginário nerd constantemente. Atualmente, o maior representante desse movimento é The Boys, que mostra como seria nossa realidade caso realmente existissem esses seres superpoderosos. Porém, apesar de bem produzida, a série precisa se conter bastante nas cenas de ação mais espetaculosas para aprovar seu orçamento, dando grande força então aos diálogos para desenvolver seus personagens. Invencível, série animada do Prime Video que adapta a HQ de Robert Kirkman publicada pela Image Comics, chega para suprir essa falta de um produto mais completo.
Méritos para a Amazon nessa jogada, uma vez que possui dois grandes produtos de um segmento interessantíssimo na indústria. O mais perto que a maior concorrente de todas, a Netflix, tem para rivalizar nesse quesito é The Umbrella Academy, mas que não consegue fazer frente a The Boys e Invencível, pelo menos por enquanto.
A animação segue de forma bastante fiel à trama apresentada nos quadrinhos, mostrando o adolescente Mark Grayson (voz original de Steven Yeun) à espera do dia em que finalmente desenvolverá superpoderes. A ansiedade não é à toa, uma vez que seu pai, Nolan (J.K. Simmons) é ninguém menos que Omni Man, o maior herói que já existiu no planeta, protegendo a Terra há décadas junto com outros heróis, como o supergrupo Os Guardiões do Globo. No entanto, tudo muda quando os guardiões são atacados e Omni Man se vê gravemente ferido.
A partir daqui, spoilers de Invencível
É como se Invencível fosse uma mistura de The Boys com The Walking Dead, esta última, obra que projetou Kirkman no mercado de quadrinhos e além. Sempre que recomendo a série para um amigo, deixo bem claro que é para a pessoa assistir até o último segundo do primeiro episódio pra decidir se vai continuar o seriado ou não. Isso porque os mais desavisados, como eu, acabam sendo pegos de surpresa com a drástica mudança de tom no desenho, que mostra nada menos do que uma das mais brutais chacinas protagonizadas por um super-herói, quando Omni Man estraçalha cada um d’ Os Guardiões do Globo. Os motivos disso tudo ficam incertos até serem revelados ao final da temporada, e você pode entender melhor neste Opinanerd escrito pela Becky.
Avisos à parte, vale destacar que Kirkman promove uma junção de elementos que funcionam de forma excelente – a narrativa da série está envolvente e os personagens, dotados do carisma necessário para a retenção de público.
Desse modo, não ouso eleger aqui um “grande lance” para o sucesso de Invencível: poderia destacar a violência gráfica, contrastando com o que geralmente esperamos de um desenho animado, e o fato da série remeter demais aos programas de TV clássicos de heróis como Batman, Homem-Aranha etc., potencializa o impacto dessa brutalidade; há também as diversas camadas narrativas onde o texto se preocupa bastante em oferecer diferentes tramas ao espectador.
Enquanto a jornada de Mark se desenvolve no heroísmo numa mistura de Clark Kent com Peter Parker, temos a investigação sobre o assassinato dos guardiões se desenrolando por parte Damien Darkblood (que lembra o Hellboy pelo seu aspecto demoníaco e investigativo), que atua nos bastidores assim como (mas não junto) de Cecil Stedman, uma espécie de Nick Fury desse universo. Essa junção de elementos dá liga e torna o desenho muito atrativo.
O que pode funcionar ou não, aí depende do gosto do freguês, é a oferta de outras subtramas que indicam o que pode vir nas já confirmadas 2ª e 3ª temporadas da série do Prime Video. Isso porque são histórias com potenciais interessantes, mas que infelizmente ficam pendentes de uma resolução maior nos episódios que já foram lançados.
Violência “moleque”
E, seguindo a cartilha atual, temos em Invencível as mais variadas cenas de violência super-heroica. Felizmente, Robert Kirkman não repete aqui (pelo menos por enquanto) passagens de cunho sexual, mas quando tratamos de desmembramentos, esmagamentos de crânio e outras brutalidades do tipo, a coisa chega a ficar banalizada. Ainda assim, sobra um pouco de choque da nossa parte com a tragédia que vemos no final, em toda a sequência do trem e dos prédios desabando para que Mark “aprenda” a sua lição.
Majoritariamente lançando mão de um 2D tradicional, o visual da série intercala com algumas cenas com 3D, o que deixa o cenário um pouco mais orgânico que o normal. Um capricho estético, se pensarmos no pesado texto que é apresentado. Apesar de nomes consagrados na voz original do desenho como Sandra Oh, Gillian Jacobs, Zazie Beetz e Seth Rogen, recomendo fortemente a dublagem brasileira do projeto, que está muito bem executada.
Invencível consegue entregar um feijão com arroz de qualidade em meio a um mercado prestes a ficar saturado. A fácil absorção pelo público jovem, o bom trânsito entre sátira e homenagem aos heróis clássicos e o forte apelo visual tendem a garantir a longevidade para essa nova cria de Robert Kirkman, um cara que dificilmente erra em suas empreitadas.