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Immortality

Quando Her Story foi lançado em 2015, pegou muita gente de surpresa. Ele consistia em simplesmente navegar por diversos clipes de vídeo bastante curtos para descobrir um segredo. Sua mecânica principal era de buscar vídeos usando termos que você ouvia durante o jogo para liberar mais vídeos e assim por diante. A mistura dessa narrativa não linear com filmagens reais e trabalho de detetive partindo do jogador foi algo inovador. Em 2019, o criador Sam Barlow lança seu segundo jogo utilizando mecânicas e estrutura parecidas. Telling Lies parecia uma evolução de Her Story, mas acabou recebendo críticas mistas, principalmente por questões de interface e não possuir uma história tão interessante. Immortality, jogo de 2022, traz a mesma filosofia de design em um jogo ainda maior e mais ousado.

Aqui, o jogador precisa descobrir o que aconteceu com Marissa Marcel (Manon Gage), uma atriz cujos 3 filmes que gravou nunca foram lançados. Navegando por diversas filmagens e making ofs desses três filmes, pode-se clicar em objetos no cenário para ser levado a outro vídeo que possui um objeto parecido. Curiosamente, o jogo inicia dando um tutorial de como usar a interface e também dá o objetivo de tentar desvendar os vídeos dessa misteriosa atriz. Inicialmente, o jogador não tem uma meta específica e cabe a ele criar seus objetivos até acontecer a reviravolta de roteiro. O interessante é que, no material promocional e na aba “Sobre” no menu, são dadas mais informações: Marissa Marcel é uma atriz misteriosa que sumiu. Ela fez somente 3 filmes na vida e nenhum foi lançado. Cabe ao jogador tentar desvendar esse enigma. Eu não entendo por que não explicar melhor isso para quem vai jogar, mas, de toda forma, muito desse jogo vai dos próprios objetivos que o jogador cria na sua mente.

Tal como Her Story, Immortality acontece muito mais na mente do jogador do que na tela. Você precisa explorar as cenas dos filmes e do backstage de forma não-linear e ir montando o quebra-cabeça na sua mente. O jogo possui muitas histórias, pois cada um dos filmes tem sua própria trama e acontecimentos fora delas, então no começo pode ser um pouco demais. Felizmente, as histórias são interessante o suficiente para deixar os jogadores engajados querendo mais.

Essa premissa não funcionaria muito bem caso a parte técnica não fosse feita com tanto carinho e de forma tão bem feita. Cada filme possui sua própria tecnologia de filmagem e emula muito bem as câmeras e os áudios de cada época. Além disso, os atores, geralmente, são ótimo tanto interpretando os personagens fora e dentro das cenas. Um parabéns específico, claro, para a atriz Manon Gage que faz nossa protagonista. Ela possui um carisma fora do comum e consegue muito bem sair e entrar em papéis de forma muito efetiva e rápida. É um absurdo que esse seja seu primeiro trabalho oficial depois da faculdade.

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Todas as cenas de Immortality são takes curtos sem cortes, utilizando somente uma câmera. Além disso, é percebido que a produção tentou economizar ao máximo filmando cenas geralmente em estúdios. Como são cenas de filmes que nunca foram lançados, tudo ali está antes da pré-produção, então não temos efeitos especiais, tratamento de imagens, ou efeitos sonoros. Isso não impede que diversas cenas sejam muito bem filmadas e fotografadas. Cada filme possui seus próprios maneirismos e estilos, deixando toda a experiência de assisti-los bastante dinâmica.

Se eu pudesse reclamar de algo em Immortality, seria sobre alguns aspectos do seu gameplay. Em Her Story, eu tive uma das melhores experiências de ser um detetive em um videogame. Eu digitava as palavras que achava interessante e isso ia me guiando para as cenas que geralmente tinham um significado maior. Eu tinha até que ir anotando tudo num caderninho. Aqui, com essa mecânica de clicar em imagens, sinto que o jogo ficou um pouco mais aleatório. O jogador aqui tem muito menos agência e controle, sendo mais um vouyer  nessa experiência. Mesmo quando acontece a virada de roteiro e o jogador possui um pouco mais de foco e objetivo, passear por esse labirinto de cenas acaba sendo ainda muito aleatório. Eu não sinto que cheguei na solução final do jogo por estratégia minha, sinto que acabei tropeçando nas cenas chave e finalmente vendo os créditos rolarem. Mas isso pouco influenciou na minha experiência, ainda acho um jogo incrível e adorei cada minuto que passei nele, ainda que eu preferisse que o controle estivesse mais nas minhas mãos.

Eu sei que os jogos de Barlow não são exatamente livres. Existe uma ordem no meio do caos para que os jogadores não caiam em cenas muito importantes logo de cara. Mas seja pelo caos, ou por montagens roteirizadas, tive momentos muito significativos, em que duas ou mais cenas em sequência conversavam entre si, mesmo não fazendo parte do mesmo filme. Isso porque Immortality possui alguns temas que se repetem em seus filmes e na forma como ele quer contar essa história. Isso ajuda o jogo a ter uma coerência e falar ao jogador muito mais do que o roteiro está dizendo. Sua metalinguagem e reverência aos filmes é algo sensacional.

Immortality é sobre como a arte pode deixar as pessoas imortais. É uma linda homenagem aos filmes e às pessoas que os fazem. Apesar do segredo maior do jogo ser algo que foge um pouco da realidade dos seres humanos, ele fala sobre sentimentos, desejos, aspirações e a ânsia de produzir arte. Não existe nada mais humano que isso. Dentre as diversas artes, o que o cinema trouxe de novo foi a técnica de montagem, de ligar duas ou mais cenas para criar um significado. Você, como jogador, é o montador da experiência de Immortality, então, ao mesmo tempo, você está consumindo e produzindo arte. E, parafraseando uma das últimas falas do jogo, ao produzir essa arte e ser impactado por ela, o jogo acaba vivendo de forma imortal dentro de você.

Immortality saiu no Gamepass e em breve sairá para celulares pela Netflix. É uma das melhores experiências do ano, recomendo a todos os fãs de cinema e de narrativas interativas.