Homem com H - crítica do filme dirigido por Esmir Filho sobre a vida de Ney Matogrosso Homem com H - crítica do filme dirigido por Esmir Filho sobre a vida de Ney Matogrosso

Homem com H (2025) | Crítica do filme

Homem com H (2025), dirigido e roteirizado por Esmir Filho (Verlust), propõe um olhar amplo sobre a vida e a carreira de Ney Matogrosso, um dos intérpretes mais influentes da música brasileira. O filme atravessa diferentes períodos da trajetória do artista, desde a infância em ambiente familiar rígido até o ápice de sua fama, passando por momentos íntimos que revelam suas inquietações, escolhas e relações pessoais. Leia a nossa crítica:

A narrativa busca mostrar um Ney plural, sem limitar-se à figura do ícone dos palcos. Ao retratar sua juventude, as tensões com o pai militar e as experiências iniciais com a música, o longa apresenta os fatores que moldaram o artista e ajudaram a definir sua postura diante da arte e da vida. O foco está menos em construir uma imagem monumentalizada e mais em explorar as diversas facetas de quem sempre desafiou padrões e convenções.

Homem com H e a construção de uma cinebiografia singular

Combinando elementos clássicos de cinebiografias com recursos visuais que remetem à linguagem performática do próprio Ney, Esmir Filho opta por um tom que transita entre o documental e o sensorial. Há uma clara intenção de integrar no cinema a teatralidade e a liberdade presentes nas apresentações do cantor.

As cenas de palco são reproduzidas com atenção aos detalhes, recriando momentos icônicos, como a estreia televisiva dos Secos e Molhados e o impacto visual do álbum de estreia do grupo. Paralelamente, o filme investe na intimidade, mostrando a relação de Ney com figuras centrais de sua vida, como os músicos com quem dividiu trajetória, os parceiros afetivos e os amigos que marcaram época.

Ao longo da projeção, a narrativa também aborda a ditadura militar e a epidemia de HIV nos anos 1980, períodos que atravessaram profundamente a vida do artista. O filme destaca como Ney utilizou sua estética, suas performances e sua voz como ferramentas de resistência, sem recorrer a discursos explícitos, mas incorporando a desobediência à sua própria arte.

Jesuíta Barbosa e a entrega como Ney Matogrosso

A escolha de Jesuíta Barbosa para interpretar Ney Matogrosso se revela central para o impacto do filme. O ator reproduz trejeitos, gestos e olhares característicos, mas vai além da imitação, construindo uma interpretação que dialoga com o íntimo do artista.

A transformação física, vocal e emocional exige um equilíbrio entre técnica e sensibilidade, principalmente nas passagens que tratam das tensões familiares e dos desafios pessoais. Jesuíta transita entre o Ney público e o Ney privado, oferecendo uma performance que acompanha as mudanças do cantor ao longo dos anos, da juventude aos palcos consagrados.

O elenco de apoio também contribui para a densidade dramática. Hermila Guedes vive Beíta, mãe de Ney, com naturalidade, enquanto Rômulo Braga interpreta o pai do artista, representando o conflito familiar central na formação de sua identidade. Jullio Reis dá vida a Cazuza, resgatando a relação intensa entre os dois, e Bruno Montaleone interpreta Marco de Maria, parceiro que dividiu mais de uma década da vida do cantor.

Jesuíta Barbosa bilha como Ney Matogrosso em Homem com H - Crítica
Créditos da imagem: Azul Serra / Divulgação

A direção de Esmir Filho e as escolhas estéticas do filme

Responsável também pelo roteiro, Esmir Filho articula uma narrativa que valoriza a complexidade do personagem central sem perder de vista o ritmo cinematográfico. Há cortes rápidos, passagens que condensam períodos extensos e uma edição que busca dar conta de uma trajetória extensa sem comprometer a coesão.

A fotografia de Azul Serra aposta em contrastes entre cenas íntimas e momentos de espetáculo, explorando luzes, sombras e cores que refletem as fases vividas por Ney. Já a direção de arte de Thales Junqueira reconstrói cenários, figurinos e atmosferas que marcaram cada etapa da carreira do cantor, resgatando símbolos importantes de sua estética visual.

O resultado é um filme que combina referências históricas e elementos de linguagem autoral para criar uma cinebiografia que dialoga com o legado artístico de Ney Matogrosso e a liberdade que sempre pautou sua trajetória.

Entre o público e o privado

Um dos méritos de Homem com H está na maneira como apresenta Ney Matogrosso como artista e indivíduo. Ao mesmo tempo em que revisita performances marcantes, o filme se aproxima do homem por trás do mito, revelando fragilidades, dores e escolhas que moldaram seu caminho.

O roteiro evidencia conflitos internos e externos, desde a relação com a família até a vivência da sexualidade em um contexto de repressão. Ao trazer episódios como a convivência com Cazuza, o impacto da epidemia de HIV e as tensões políticas do período, o filme insere a trajetória de Ney no cenário histórico brasileiro, mostrando como sua arte dialogava com o contexto social e cultural da época.

Crítica de Homem com H: um retrato plural de Ney Matogrosso

Homem com H entrega uma cinebiografia que vai além da narrativa linear sobre ascensão e sucesso. Ao combinar diferentes linguagens e perspectivas, Esmir Filho constrói um retrato plural de Ney Matogrosso, celebrando sua influência como artista e sua capacidade de romper barreiras, tanto estéticas quanto sociais.

O filme se destaca pela maneira como equilibra performances icônicas, intimidade e contexto histórico, convidando o público a conhecer não apenas o intérprete dos palcos, mas também o indivíduo por trás das luzes. A presença ativa de Ney na produção garante autenticidade, tornando Homem com H uma obra que se aproxima do artista com respeito e profundidade.