John Hughes com super-herói, Homem-Aranha: De Volta ao Lar traz para a Marvel Studios o ápice de qualidade dentro da sua fórmula
O teioso voltou para a casa. A analogia do subtítulo do novo Homem-Aranha: De Volta ao Lar com os bailes de colégio estadunidenses é tão acertada quanto todas as outras escolhas tomadas para esse novo reboot do personagem, após a não continuidade da franquia nas mãos de Sam Raimi e Mark Webb. Méritos para a Marvel e também para a própria Sony (dona dos direitos do personagem nos cinemas), que conseguiram chegar a um acordo sensato para atender uma demanda tão sonhada pelos fãs de HQ.
A trama de Homem-Aranha: De Volta ao Lar se passa logo após os eventos de Capitão América: Guerra Civil, onde Peter Parker (Tom Holland) atua em Nova York, tentando balancear o heroísmo com seus estudos e vida social. Porém, Peter encontra dificuldades em convencer Tony Stark (Robert Downey Jr.) da sua maturidade para ser um vingador, enquanto uma gangue liderada por Adrian Toomes (Michael Keaton) faz aumentar os crimes na região.
Esse novo Homem-Aranha é um acerto justamente por não aparentar querer ser o melhor filme de herói de todos os tempos. A escolha por Jon Watts, um declarado fã dos filmes de comédia adolescente de John Hughes (exibidos na era de ouro da nossa Sessão da Tarde), evidencia todo o cuidado da Marvel em dar uma identidade clara a esse novo braço do MCU. Ao mesmo tempo, Watts se coloca no mercado como um novo diretor a ser acompanhado pelos entusiastas de Hollywood.
É no âmbito colegial que Homem-Aranha: De Volta ao Lar brilha de forma sublime. Seu amigo Ned (Jacob Batalon), por exemplo, é talvez o maior diferencial que os filmes antigos com Tobey Meguire e Andrew Garfield não ofereceram: um amigo de verdade para Peter Parker. Tirado das páginas do aranha Miles Morales (dono de uma referência nesse filme), Batalon representa na tela muito mais que alívios cômicos. Ele é o expectador junto com o Homem-Aranha dentro do filme. Liz Allen (Laura Herrier) é o amor de Peter, sendo através dela que rola uma das maiores surpresas da trama (lembrando que muita coisa foi revelada nos trailers). O Flash Thompson vivido por Tony Revolori destoa bastante do valentão mostrado tanto nas HQs quanto no primeiro filme do herói, mas continua sendo um babaca. Pra fechar o “clube dos cinco”, Zendaya faz uma promissora Michelle, e confirma uma certa teoria acerca do seu nome.
E a escolha do Abutre? Michael Keaton está muito bem no papel, com profundidade na medida certa. Seu traje é visualmente arrojado, já suas motivações bem rasas, o que torna tudo simples e palatável. Sua parceria com o Consertador (Michael Chernus) rende toda a parte de desenvolvimento tecnológico da vilania, assim como as versões do Shoker mostradas. A origem de toda essa galera do mal é a mais sensata possível: eles usam as sobras do universo Marvel, como a tecnologia Chitauri deixada após a batalha do primeiro Vingadores. Um upgrade e tanto para o Abutre das HQs. Essa premissa de utilizar os entulhos do MCU já havia sido explorada na série do Demolidor na Netflix, mas aqui a coisa é muito mais prática, inclusive com o envolvimento da Controle de Danos, grupo de limpeza destinado a lidar com situações do tipo e que pode ganhar uma série própria em breve. Aparentemente, a SHIELD realmente não está com muita moral nos filmes da Marvel.
Já que citamos o universo Marvel, vale destacar aqui que Robert Downey Jr não rouba a cena. Sua participação é a mais orgânica possível, tendo o desfecho inclusive muito parecido com a HQ de Guerra Civil. A presença de Tony Stark no filme foi, provavelmente, uma das exigências da Sony para dar prosseguimento à parceria, e o encaixe no roteiro foi certeiro, onde ele contribui para a curva de aprendizagem do amigão da vizinhança. Outro que aparece tanto quanto é Happy (Jon Favreau), principalmente como o cara que lida com toda a logística das Indústrias Stark.
No final, fica um sentimento de dever cumprido. Há uma dose de ousadia em algumas escolhas, principalmente no que diz respeito a etnias no elenco, além da abordagem dada ao próprio Adrian Toomes, o Abutre, que difere das HQs. Mas sabemos que quem está mexendo aqui se importa, além de ganhar rios de dinheiro, com a essência de um personagem que é seu, atualizando de forma inteligente questões necessárias. A volta do Homem-Aranha é a celebração de uma vitória para os fãs nerds, e presenciar essa festa nos cinemas será a realização de um sonho para quem esperou tanto tempo.