O texto a seguir contém SPOILERS da primeira temporada de Gotham. Se você ainda não viu, corre pra assistir e depois volta pra cá. Mas volta mesmo, caso contrário vou pedir pro Batman te fazer uma visitinha…
Desde que Gotham foi anunciada, Bruno Heller e todos os envolvidos fizeram questão de deixar claro que não era um seriado sobre o Batman. Era sobre a cidade, suas ruas, nuances e vilões. Ao fim da primeira temporada é possível perceber que as coisas ficam bagunçadas sem o Homem Morcego por perto.
Gotham é uma série policial em sua essência. Melhor, é uma série policial na cidade mais violenta do mundo (pelo menos nos quadrinhos). Psicopatas, mafiosos, assassinos em série e todo o resto da escória preenchem as ruas. O lugar perfeito para Jim Gordon (Ben McKenzie) brincar de tira durão com seu parceiro Bullock (Donal Logue). Seguir na promessa de evitar ser uma atração sobre super heróis foi algo corajoso, mas também serviu para deixar a série confusa em vários momentos.
O assassinato dos Wayne mais uma vez serviu de ponto de partida. E parecia que daria o tom para os outros 21 episódios, menos mal que não foi assim. De certo modo incomoda ver Jim perdendo tempo em buscas e promessas sem fundamento feitas a um jovem e abalado Bruce Wayne (David Mazouz). Uma espécie de senso elevado de justiça que é abandonado quando ele percebe que existe mais para se preocupar. O jovem Bruce parece deslocado de tudo que está acontecendo na história. Trancado em sua mansão, ele está blindado do que lhe cerca, em um retiro para passar por algum tipo de amadurecimento. Claro que em muitos momentos ele tem o destaque que é esperado, agindo como um mini Batman, provando que é impossível se desvencilhar da alcunha.
Se falta interação com o mundo, sobram conversas com Jim, Selina e Alfred. É interessante ver a relação entre ele e o mordomo. Os fãs podem estranhar no começo, mas deve ser assim que um ex-combatente do exército britânico cuida de uma criança. É a semente sendo plantada de um futuro que talvez nunca apareça na série, mas que é a espinha dorsal dos quadrinhos. Selina também rouba a cena. Independente desde o início, ela funciona como uma “professora das ruas” nas raras vezes que o Wayne deixa seu palácio. O lamento fica pela forma como a personagem é mal utilizada no season finale. Numa mudança completamente sem pé nem cabeça, apenas para fazer algo que não fica claro. Se foi para colocá-la de vez no rumo dos crimes, ela já estava fazendo isso muito bem e sozinha. De qualquer forma, mais uma vez fica a imagem da futura relação de amor e ódio entre Batman e Mulher Gato.
Mas Gotham é mesmo dos vilões e todos estão presentes. Pinguim, Charada, Espantalho, Duas Caras, a máfia nas figuras de Maroni e Falcone, Dulmacher e até mesmo o Coringa (entenda clicando AQUI). Uma salada tão diversificada, mas que ganhou tempero na medida errada. Fish Mooney (Jada Pinkett Smith), personagem criada especialmente para a série, consegue se sobressair no início. Era a inovação que sempre é bem-vinda. Mas depois de uma reviravolta seu núcleo ficou totalmente desinteressante. Sua trama ao lado do Dr. Dulmacher é completamente descartável, mostrando assim o grande e decisivo ponto negativo da série: encher a tela de referências presentes em trama mal construídas.
Talvez a culpa possa cair nos ombros da estrutura adotada para a série. O modelo de 22 episódios adotado pela TV aberta gera um espaço para que tramas desnecessárias sejam criadas. O sucesso inicial também pode ter sido um problema, já que foi o que fez o plano original de 16 episódios ser alterado. Em certos momentos é impossível identificar qual o plot principal do programa. Guerra contra a máfia? Planos para tomar o poder? Levar a justiça para cada buraco da cidade? Talvez seja tudo isso ou nada disso. Mas se tem algo que realmente merece ser destacado na primeira temporada é a dupla Pinguim (Robin Lord Taylor) e Charada (Cory Michael Smith). Juntos em tela por pouco mais de 5 minutos, eles se sobressaem dos demais justamente quando estão separados. Bruno Heller não mentiu quando disse que dedicaria a primeira temporada ao Pinguim. De subalterno a Rei de Gotham, o personagem sofre com a inconsistência da história, mas consegue sair por cima da carne seca. O nascimento de Nygma foi mais lento, mas delicioso de assistir.
A cena no episódio final onde ele luta com seus demônios internos é deliciosamente insana. O sorriso bobo mostrado antes foi trocado por um muito mais doentio. As charadas que brotam de sua mente prometem ganhar mais espaço. Nada mais justo para um dos poucos que saiu ileso da primeira temporada. Talvez o grande enigma seja mesmo porque Gotham escolheu o caminho errado bem no meio da caminhada. O mind season foi um alívio, uma chance para respirar. Mas com pouco tempo sobrando, o season finale não conseguiu a energia suficiente que precisava para ser marcante.
A terrível guerra anunciada pelo Pinguim no início de tudo finalmente acontece. As duas grandes famílias mafiosas entram em disputa pelo poder de Gotham. Mas parece que Falcone e principalmente Maroni não estavam prontos pra tudo isso. O velhote abriu mão de tudo para se aposentar, enquanto o falador Maroni teve os miolos espalhados pelo chão por não ser um bom vencedor e por lhe faltar inteligência, principalmente. Fish Mooney encontra seu fim(?) deprimente como estava sendo sua participação nos últimos episódios. Claro que algumas ousadias como a loucura de Bárbara foram bacanas de serem vistas. Separar o casal Gordon/Bárbara já foi uma bela iniciativa. Agora colocar a loira no caminho da psicopatia é interessante até. Seria ela uma das várias peças que compõem um possível nascimento do Coringa? Talvez.
Gotham até consegue caminhar sem o Batman, mas talvez não vá muito longe. Jim Gordon precisa urgentemente de reforço na sua missão, caso contrário é melhor construir logo o batsinal. Sorte é que a Mansão Wayne possui alguns segredos recém descobertos. Quem sabe a luz não venha do fundo de uma certa caverna…