GLOW abre seu episódio piloto com Ruth (Alison Brie, de Community e Mad Men) em mais um teste de elenco na sua carreira. Com uma fala profunda e poderosa, ela se emociona em finalmente receber um papel de peso, fora da esfera de atender telefones ou ser assediada pelo chefe, algo quase impossível para atrizes nos anos 80. Pena que ela logo descobre que leu a parte errada. São minutos cruciais para mostrar ao público qual caminho a série pretender seguir: o tragicômico.
Nova atração original da Netflix, GLOW (Gorgeous Ladies of Wrestling, ou Moças Lindas da Luta Livre) é livremente inspirada na série homônima dos anos 80 que fez sucesso nos EUA e algumas partes do mundo, sendo exibida por aqui pelo SBT. Criada por Liz Flahive (Nurse Jackie) e Carly Mensch (Orange Is the New Black) e com produção de Jenji Kohan (criadora de OITNB), a série equilibra bem a diversão escrachada da Luta Livre com o peso dos desafios femininos da época. É o tipo de programa que te fisga e não larga até o final.
Sem nenhuma esperança para o seu futuro, Ruth aceita um convite para uma estranha seleção de um novo programa de TV. Ao chegar lá, se depara com mulheres das mais variadas etnias e personalidades. Todas buscando algo em que se agarrar, para ascender na vida ou escapar de uma realidade nada amistosa. Dublês, atrizes amadoras e algumas que nunca atuaram na vida formam a equipe que vai levar o projeto para a frente. Ainda que seja uma missão quase impossível.
Viciado em cocaína, machista e diretor de filmes alternativos, Sam Sylvia (Marc Maron) é o encarregado de guiar 14 mulheres e transformar o GLOW em realidade. Ao seu lado está o imaturo e inconsequente produtor Bash (Chris Lowell), responsável pelo dinheiro e pelas referências ao esporte. Um time heterogêneo, longe de ser funcional, mas que acaba trabalhando até alcançar o objetivo.
Comparações com OITNB são inevitáveis, mas temos aqui uma série com identidade própria. Sim, existe o elenco diversificado e um ambiente que serve de palco para a apresentação das motivações das personagens. Mas as semelhanças vão sumindo após esses pontos. GLOW sabe como utilizar os esteriótipos da Luta Livre e da sociedade para escancarar um cenário adverso para as mulheres: desemprego, machismo, sexismo, xenofobia, racismo e etc. Uma sátira com um humor inteligente e afiado, que sabe tocar nas feridas certas.
Um exemplo prático é o momento em que elas ganham seus nomes de lutadoras/personagens. Um show de horrores de ofensas. Kia Stevens (que já participou do WWE) é a Rainha do Bem-Estar (representando as pessoas que, no linguajar mais popular, mamam nas tetas do governo). Sunita Mani vira uma terrorista islâmica chamada Beirut e Ellen Wong recebe a alcunha de Biscoito da Sorte. E esses são alguns exemplos.
Seja na interação com Sam ou com o público, é possível sentir todo o desconforto das personagens, passando pelas mais variadas situações. É isso que tira o espectador de sua zona de conforto, lembrando sempre que não está diante de uma simples comédia pastelão. Existe um subtexto claro que prevalece nos momentos necessários. Por isso é fácil criar laços com as personagens, na medida em que um senso de comunhão vai nascendo. Se elas não se apoiarem, ninguém mais vai.
Seguindo o esquema de séries da Netflix, GLOW tem um início lento, engatando a quinta marcha no meio e seguindo em alta velocidade até o final. As coisas começam a mudar quando Debbie (Betty Gilpin) entra para o time. Sua tensão com Ruth acrescenta uma dinâmica interessante para o espetáculo, algo explorado até o último minuto. É um programa repleto de camadas que se revelam no momento certo. Até os clichês presentes na trama são funcionais.
Em seu filme sobre Luta Livre Wrestling Isn’t Wrestling, Max Landis (Poder Sem Limites, American Ultra) solta essa frase: muitas “lutinhas” são uma bosta. Mas quando elas são boas, são boas para caramba. GLOW entra para essa lista das “boas para caramba”. Aliás, já é uma das melhores coisas que estreou na Netflix esse ano.