Em junho de 2022 “comemora-se” os 50 anos do Caso de Watergate, um dos maiores escândalos da história política moderna. Culminando na renúncia de Richard Nixon, ex-presidente dos EUA, a história esconde personagens pra lá de pitorescos, tornando-se assim um prato cheio para diversas adaptações na TV, cinema e, agora, streaming. Gaslit, minissérie disponível no serviço Starzplay para os espectadores brasileiros, tenta retratar esse momento através dos protagonistas da época lançando mão de um interessante elenco.
A sinopse oficial aponta que a série protagonizada por Julia Roberts e Sean Penn aborda os detalhes sobre o escândalo político que aconteceu nos anos 1970 a partir de uma visão moderna: histórias ainda não contadas e personagens importantes que foram esquecidos na época.
Impeachment, Nixon e o que foi o escândalo de Watergate
O ano é 1972 e o atual presidente dos EUA, Richard Nixon, é candidato à reeleição no país onde acabará tendo um desempenho esmagador nas urnas contra o seu adversário, George McGovern. Porém, o prestígio de outrora começou a se deteriorar quando cinco pessoas foram detidas na tentativa de fotografar documentos e instalar aparelhos de escuta no escritório do Partido Democrata, localizado no Complexo Watergate. O ato foi considerado por muitos como uma tremenda tolice, visto que Nixon aparentemente não precisava de qualquer manobra marginal para vencer.
Mas, e a série Gaslit oferece algo substancial para além da história oficial?
A minissérie coloca seu elenco em prática para contemplar esse contexto, conseguindo sintetizar bem os fatos, porém, às vezes acaba se excedendo ao saltar demais a linha do tempo quando ainda há a sensação de que os personagens ainda poderiam render se explorados naquele momento. O resultado é que, quando entramos numa zona de conforto narrativa, o roteiro quebra esse bem-estar mostrando seus personagens meses depois de forma indesejavelmente brusca.
Isso impede que as principais estrelas do show brilhem a ponto de tirar nota dez, mas ainda assim há o que destacar da dupla Julia Roberts e Sean Penn. Na pele de Martha Mitchell, Roberts encarna uma figura quebrada do início ao fim, mas que faz de tudo para se manter ereta frente às adversidades – a ponto de comprar briga com o próprio presidente dos EUA para defender o marido – que talvez nem quisesse a sua ajuda. É uma mistura de fazer o necessário para se safar de um baita problema (seu marido foi quem aprovou a famigerada operação) com aquele desejo, que anda na corda bamba entre a ambição e a ganância, de ser uma celebridade norte-americana.
Já Penn interpretando John Mitchell está irreconhecível, e isso é um elogio. A maquiagem usada no ator está convincente a ponto de passarmos por quase todos os episódios de Gaslit sem lembrar de quem está interpretando o personagem que, além de exercer um cargo importante (pelo menos ao ponto de cometer um erro que lá na frente custou um impeachment) no governo, não está bem resolvido com a esposa e seu gênio expansivo.
A ausência presencial e proposital de Nixon nesse balaio todo serve para reforçar o quanto um governo pode agir seguindo os ideais de um presidente sem precisar de ordens diretas. Às vezes, você tem uma pirâmide onde até os mais baixos níveis do governo estão isentos de escândalos (seja qual for a contraversão) como foi o caso do governo Barack Obama. Já outras vezes, temos um Executivo composto por um conjunto de reacionários, ignorantes, idiotas e neonazistas, como foi o caso de Nixon – que nessa circunstância ecoa muito bem em outros, como Trump e Bolsonaro.
É principalmente nesse sentido que o personagem de Dan Stevens, John Dean, se encaixa na trama. Para além da sua consequente fama como comentarista político após cumprir pena por participar do encobrimento do escândalo de Watergate (onde se tornou um crítico do apoio do partido Republicano a figuras como George W. Bush, Donald Trump e a Guerra do Iraque), temos nele uma figura que não compactua tanto assim com os ideias do seu partido, mas quer muito ascender politicamente e viver do luxo máximo – aquele que só os amigos de um presidente (ou o próprio) poderão usufruir. Isso é muito bem didático quando os investigadores do FBI perguntam a ele, num tom de informalidade, o motivo de ter feito tanta besteira.
Menção honrosa para Shea Whigham, que vive o nada são G. Gordon Liddy, o idealizador da operação em Watergate. Liddy é uma figura muito famosa nos EUA e na série ele acaba destoando do tom dos outros personagens em alguns momentos, o que às vezes ajuda a quebrar uma certa monotonia.
Meio século após o escândalo de Watergate, Gaslit consegue fazer pouco além de um retrato de um dos períodos mais importantes da política moderna não apenas dos EUA, mas mundial, uma vez que foi no governo Nixon que tivemos decisões econômicas que deram novas cartas no jogo do capitalismo, como a decisão de desatrelar a principal moeda mundial (o dólar) ao ouro. Mas isso é papo para outro momento.