Como boa parte dos adultos brasileiros entre 35 e 45 anos, eu tive uma juventude forjada me divertindo com filmes da Sessão da Tarde. Eu ria com comédias escolares e seus corredores cheios de armários metálicos individuais. Ou ainda, vendo as disputas por uma vaga no time de futebol americano, ou acompanhando a saga das famílias americanas esquecendo seus filhos em casas cobertas por neve no final do ano. Quase me dava a impressão de que, no cinema, só tinha espaço para rir em inglês (ou dublado), compreendendo códigos sociais e realidades que estavam bem distantes das minhas. Nos últimos 15 anos, a produção audiovisual brasileira, demonstra sólidos sinais de que a comédia é um farto caminho para uma produção volumosa e que, definitivamente, leva a família brasileira ao cinema. Estrelada por Edmilson Filho e dirigida por Bruno Barreto, Férias Trocadas equaliza muito bem alguns parâmetros e trilha o caminho do sucesso que, em breve, a bilheteria e a audiência nos streamings mostrarão.
Em “Férias Trocadas”, acompanhamos José Eduardo, Zé (Edmilson Filho), que vence uma rifa e consegue uma viagem para toda sua família até Cartagena, Colômbia. Ao lado de sua filha, uma blogueirinha com poucos seguidores, Rô (Klara Castanho) e de sua esposa, a dona de salão de beleza cheia de personalidade Suellen (Aline Campos). Viajando para a mesma cidade, está o outro José Eduardo, conhecido como Edu (também interpretado por Edmilson Filho). Edu é um empresário cheio de manias e apegado ao dinheiro que viaja junto da esposa Renata (Carol Castro) e de seu filho, tiktoker bem sucedido, João (Matheus Costa). Chegando lá, o caos inicia sem hora para acabar. Os dois vão para os endereços errados e vivem vida do outro. Zé se hospeda em um resort cinco estrelas e Edu fica numa pousada alternativa e bem “rústica”. A viagem alternativa agrada Renata, e o luxo do resort é o sonho realizado de Suellen. Nem Zé, nem Edu, aparentemente querem desfazer a confusão. As famílias viajam em rota de colisão até que a farsa mantidas pelos dois maridos seja revelada.
A conveniente coincidência é utilizada com inteligência para ser um disparador de uma sequência de paralelismos divertidos. É a típica mecânica de protagonistas que são “peixes fora d’água”, como diria Blake Snyder. Só que nessa comédia temos a possibilidade de ver dois personagens na mesma peleja simultaneamente. E ainda com o mesmo ator. A estrutura e o texto cômico eficientes do roteiro (escrito por Bia Crespo, Juliana Araripe, Otávio Martins e Dario Pato) dão espaço para Edmilson fazer rir em duas versões: com o Zé, utilizando todo o seu domínio cômico e interpretação que conhecemos mais, e, com Edu, podemos ver sua diferenciação, criando tiques, manias e sotaque variados para viver um outro “drama familiar”.
Importante destacar que tanto Aline Campos quanto Carol Castro estão muito bem em suas funções. Aline sendo mais cômica e Carol na personagem da esposa cansada de ver um marido tão distante e com problemas recorrentes. Carol passa a verdade de seus dramas familiares o que dá força para a comédia de todos os outros. Para mim é fundamental, ao fazer comédias realistas, pensar em personagens e atores que possam dar um peso de realidade para as falhas cômicas do restante da trupe. Mais um acerto do filme. Além da dupla talentosa da comédia Flávia Garrafa, que faz a alternativa e naturalista dona da pousada, e Gustavo Mendes como o irritado poliglota de gerente do resort.
No mais, “Férias Trocadas” segue muito bem. Com a direção do experiente Bruno Barreto e a Paris Filmes à frente do projeto, tudo parece bem acertado. Música, edição e até a escolha da Colômbia como locação. Provando que fugir também dos nossos próprios estereótipos faz bem. É possível ter comédias românticas brasileiras fora do Rio-São Paulo. Se a comédia brasileira caminha para manter o rumo das boas bilheterias, é preciso pensar que queremos ver filmes divertidos com cariocas, mas também com amazonenses, maranhenses, gaúchos e, é claro, cearenses. Nesse tema, Edmilson também está comprometido. Como bem disse ele à executiva da Paris Filmes presente no lançamento, em sessão lotada no Cine São Luiz em Fortaleza: “Eu tenho carta branca, tenho não?”. Ela respondeu: “é claro que tem!”
É visível a pitada do humor cearense não apenas na atuação de Edmilson, mas em parte dos profissionais da equipe do filme. Vale dizer que o Ceará tem talentos para todos os gostos. É bom ver talentos da terra vibrando e brilhando em Cannes, nos streamings e na TV aberta. Que venham os prêmios nos mais conceituados festivais de cinema do mundo e que nossas “Sessões da Tarde” sejam cada vez mais brasileiras também! “Férias Trocadas” chega aos cinemas a partir do dia 2 de maio de 2024.