“Considerado o melhor filme de serial killer desde Seven”. Esta frase de efeito que tinha impresso no pôster repulsivo de Jogos Mortais (2004) parecia exagero, mas, após assistir ao filme, que equilibrava cenas de tortura com uma trama envolvente, era difícil não concordar com o comentário. Apenas um ano depois do sucesso, que teve orçamento de US$ 1,2 milhões e faturou US$ 104,7 milhões, estreou Jogos Mortais 2 (2005) e, repetindo a mesma ideia de gastar pouco e lucrar muito, também foi um grande triunfo. Com pressa, a franquia virou uma máquina de fazer dinheiro e, acreditando que as armadilhas arrepiantes eram a atração principal para o público, os produtores só focaram em novas maneiras de chocar e criaram reviravoltas que nem de longe pareciam o desfecho da primeira parte. Enquanto os primeiros filmes deixavam uma sensação de empolgação e curiosidade em desvendar os segredos de Jigsaw e seus aprendizes, lá pela parte 4 ou 5 faziam o público pensar coisas como “os roteiristas já estão ficando sem ideia” ou “ok, já passou da hora disso parar”. Só após Jogos Mortais – o final (2010), feito sem necessidade em 3D, que foi lançado – sim, o “final” não foi o final – Jogos Mortais: Jigsaw (2017), e depois desse remexido todo na franquia, sustentando a marca apenas por um fio de nostalgia causado no início, parecia que iriam deixar esse universo descansar em paz… até que surgiu Chris Rock com um novo roteiro em suas mãos!
Em Espiral – O legado de Jogos Mortais (2021), o detetive Ezekiel “Zeke” Banks (Chris Rock) e seu parceiro Willem (Max Minghella) irão tentar descobrir e parar o novo assassino que está imitando o modus operandi de Jigsaw (Tobin Bell), mas com pequenas modificações para iniciar um novo jogo de tortura.
Joe Drake, o presidente da Lionsgate, comentou em 2019 sobre o desejo de Chris Rock em realizar esse projeto que ninguém pediu. “Quando o Chris veio para nós e descreveu cada detalhe arrepiante da sua visão fantástica que reimagina e desdobra o mundo do notório Jigsaw, nós entramos com tudo (…) faz reverência ao legado do material enquanto revigora a marca”.
É perceptível, logo na primeira cena, que esse comentário empolgado de Joe Drake não condiz com o que viria a ser o resto do filme. Pela simplicidade e mesmice do início, não dá para esperar algo inovador. Parece que toda essa criatividade surpreendente de Chris Rock ficou só na hora de vender a ideia e garantir sinal verde para a realização de um devaneio de fã.
Um grande erro neste filme é a razão do(a) novo(a) vilão(ã) – eu nem acredito que estou tentando não dar spoiler de algo que já está estragado – reproduzir traços dos crimes de Jigsaw. Por não ter um motivo além de “porque sim”, deixa tudo muito raso. E piora ao ver que as ideias do(a) imitador(a) são bem inferiores. Um exemplo é a troca do famoso boneco intimidador Billy, que Jigsaw usava para se comunicar com seus prisioneiros e assim criava mais pavor, por um tosco marionete de porco usando uniforme de policial que serve só para insultar os oficiais.
Diferente do que se espera de uma história que envolve uma investigação criminal, a trama vai se revelando cada vez mais sem surpresas e não precisa de muito faro investigativo para sacar o minúsculo plot twist revelado no final, que desperdiça a clássica trilha sonora de Jogos Mortais. Só pode ser uma piada de Chris Rock… A poderosa música tema da franquia, que era reproduzida enquanto o público ficava de boca aberta ao entender o “jogo” criado por James Wan, o roteirista e diretor dos primeiros sucessos de Jogos Mortais, ser usada para apresentar um desfecho tão bobo e sem impacto nenhum. É difícil acreditar que várias pessoas que fazem cinema terminaram de ler o roteiro e pensaram “imagina a cara de assombro que as pessoas farão quando assistirem a esse final”. Bem provável que só Chris Rock e Joe Drake acreditavam que tinham uma boa história em mãos.
Muita coisa não contribui para esse filme ser levado a sério e uma das causas é a atuação do próprio Chris Rock, somente o protagonista, aquele que fica mais tempo em foco. Além das falas engraçadinhas que só servem para lembram que Chris Rock vive da comédia e não do terror, são tantas caras e bocas que o ator faz que deixa tudo muito forçado. O personagem acaba parecendo uma brincadeira de como seria o comediante atuando em um filme de terror. Quem sabe o momento em que Banks sofre ao ouvir detalhes de um crime chocante envolvendo um colega de trabalho garanta um Framboesa de Ouro para o ator.
Por mais brutal que seja o cenário, é impossível não rir de vergonha alheia da atuação tosca de Chris Rock. Se não for por esta cena, será pela cara de bobalhão que o ator faz ao surgir numa cena do passado, suspeitando que algo aconteceu durante uma abordagem. Ele parece interpretar com mais exagero do que o restante do elenco, o que não significa que os outros estejam excelentes, e até se esforça para agradar, mas o resultado é bem inferior ao que se considera aceitável. O papel de Samuel L. Jackson, o pai de Banks, é tão mal aproveitado que chega a dar pena e me pergunto se o ator precisava mesmo ter entrado nesse projeto bomba. E Max Minghella, o Nick da série The Handmaid’s Tale, parece não ter tido a mesma sorte ao trabalhar fazendo a série. Bem provável o ator ficou impressionado com os nomes envolvidos nesse filme e acreditou que faria bem a sua carreira. Espero que o pagamento tenha sido tão grande quanto o provável arrependimento.
Enquanto o público que busca boas reviravoltas sairá desapontado por um lado do cinema, pelo outro sairá com o mesmo sentimento de quem queria ver as clássicas cenas sangrentas e os jogos doentios. As partes de tortura são rápidas demais, sem construção alguma de suspense e não dá tempo de criar qualquer empatia pela futura vítima. Tem cenas fortes sim, mas perto do que Jigsaw já fez, é um trabalho amador que rendeu imagens nada memoráveis. Apenas no jogo que tem uma máquina que arremessa cacos de vidro em direção a um homem amarrado é que vemos algum desenvolvimento interessante. Entretanto, qualquer agrado que uma cena possa criar se perde na cena posterior.
Espiral – O legado de Jogos Mortais é uma oportunidade serrada ao meio e jogada fora e torna-se apenas mais um peso morto em cima da marca Jogos Mortais. O que fará os fãs desejarem cobrir os olhos não serão as imagens violentas e repugnantes como acontecia, mas o desastroso andamento do que deveria ter sido um renascimento e virou uma chacina de ideias. Que os jogos parem de vez.