Exclusivo da Netflix e com criação de Abi Morgan, a minissérie Eric possui as virtudes que grandes produções do gênero precisam: contexto bem definido, personagens quebrados ou em vias de serem e, acima de tudo isso, um mistério bem conduzido até o seu desfecho. Com essas metas bem definidas, a série estrelada por Benedict Cumberbatch (eternizado como Doutor Estranho nos filmes da Marvel Studios e Sherlock no seriado britânico) se arrisca ao propor também um aprofundamento na perturbada mente do protagonista, que a princípio só parece ser mais uma pessoa negligenciada do devido cuidado de algum transtorno mental.
Há uma quebra da figura que o grande público tem em relação a Eric perante aos papéis apresentados por Cumberbatch: nada de superpoderes, tampouco incrível dedução e observação aguçada. A trama se inicia com seu personagem e protagonista, Vincent, se apresentando em seu show infantil de teatro de fantoches. Sua criação está passando por problemas de audiência e os produtores pressionam Vincent e sua equipe a criar novos meios de recuperar o prestígio de outrora, o que acaba gerando uma pressão muito grande na sua cabeça, tornando-o uma pessoa cada vez mais agressiva no trabalho e em casa com sua esposa Cassie (Gaby Hoffmann). Até que um dia, ao invés de ir para a escola, o filho do casal desaparece misteriosamente.
Ambientação e temática de Eric chama atenção
Abi Morgan faz um entrelaçado muito competente entre o teatro de fantoches, mercado de entretenimento infantil muito famoso nos EUA por obras como Os Muppets e Vila Sésamo, e a psicologia extremamente caótica do protagonista, o modo como se relaciona no despedaçado casamento e as consequências desse ambiente danoso para o seu filho Edgar (Ivan Morris Howe). Já no cenário macro, é gritante a ambientação na Nova Iorque dos anos 1980 com sua forte desigualdade social, preconceitos de todas as ordens e a demanda vinda da elite por políticas públicas higienistas.
Assim, a série vai construindo seus suspeitos a respeito do paradeiro do menino Edgar acrescentando à equação elementos vindo desse contexto sob a ótica do detetive Ledroit (McKinley Belcher), um homem tentando fazer seu trabalho da melhor forma possível dentro de uma corporação altamente preconceituosa e corrompida, como era antes e continua sendo hoje em muitas instituições do mundo real. Paralelamente ao caso de Edgar, Ledroit tenta uma solução para o desaparecimento de um outro garoto, mas que os olhos de uma sociedade racista e homofóbica não se preocupa tanto assim em tentar encontrar.
Benedict Cumberbatch está muito bem em seu personagem, deixando com muita competência o espectador desconfortável com seu comportamento nocivo para ele e todos ao redor. A relação com os pais, o abuso de drogas que vem desde a sua infância e a vida tóxica em família serve muito bem como objeto de estudo tanto para a psicologia quanto para qualquer um que queira refletir trazendo essa situação para si em alguma medida.
Afinal, qual seria a representatividade dos fantoches em Eric?
A ideia dos fantoches indica controle, principalmente quando vemos um sistema social no qual o “manda quem pode e obedece quem tem juízo” se torna algo aceitável para todas as situações, incluindo as de extrema violência urbana. No entanto, podemos supor que o fantoche seja um avatar de controle das nossas emoções, algo como um refúgio em relação ao mundo externo, onde iremos encontrar nosso “eu” interior e, com sorte, a plenitude do ser. É nessa ambiguidade que Eric, ou Vincent, precisa correr contra o tempo para encontrar Edgar. Olhando por essa ótica, e entendendo o ambiente doméstico danoso, dá pra entender a atitude do pai em querer criar o novo personagem para o seu show, uma ideia do filho, ao invés de tomar caminhos mais pragmáticos, para tentar encontrá-lo.
Eric é uma maratona bastante satisfatória, composta por seis episódios dirigidos por Lucy Forbes, diretora com experiência em séries como This Is Going to Hurt e The End of the F***ing World.