Não é segredo para ninguém que o terror é um dos gêneros mais prolíficos de Hollywood. Por mais que não possuam tanto prestígio em premiações, algumas obras despertam a curiosidade e o encantamento da mídia especializada. Seja por uma ideia inovadora (um slasher pelo ponto de vista do assassino) ou por reverter convenções sagradas do estilo. Na época do seu lançamento nos EUA, Entrevista com o Demônio foi apontado como um desses filmes que quebram paradigmas. Agora que chegou, oficialmente, ao território nacional surge o questionamento: é realmente o grande terror dos últimos anos?
O outrora famoso apresentador de TV Jack Delroy (David Dastmalchian) luta para recuperar seu prestígio após a morte de sua esposa Madeleine (Georgina Haig) e a queda da audiência de seu programa Night Owls. Apostando em segmentos cada vez mais sensacionalistas, ele enxerga na noite de Halloween de 1977 a oportunidade perfeita para reconquistar o público. Para isso, ele promete uma chocante entrevista com Lilly (Ingrid Torelli), uma garota aparentemente possuída por um demônio.
O principal trunfo de “Entrevista com o Demônio” consiste em sua ambientação. Os irmãos Cameron e Colin Cairnes, roteiristas e diretores do longa, utilizam os primeiros minutos de projeção para situar o espectador nesse universo ficcional. Numa espécie de falso documentário, entendemos o atual contexto da sociedade norte-americana, a ascensão e a queda de Jack e os mistérios que cercam sua vida privada. Por isso, quando o fatídico episódio de Halloween de Night Owls começa, estamos completamente envolvidos pela atmosfera. E por mais que talk show da madrugada não seja um segmento tão popular no Brasil, fica fácil imaginar algum programa de auditório famoso do fim de semana em tela.
Os convidados do episódio especial também dão o tom da discussão que será trabalhada durante todo o filme: sobrenatural versus ceticismo. Não é por acaso que sobem ao palco o médium Christou (Fayssal Bazzi) para os famosos truques de adivinhações, o ex-ilusionista e caçador de fraudes Carmichael Haig (Ian Bliss) e por fim Lilly ao lado da parapsicóloga June Ross-Mitchell (Laura Gordon). “Entrevista com o Demônio” brinca até o último momento com a noção do sensacionalismo midiático e até que ponto é possível realmente acreditar no que está diante dos nossos olhos. Existe um nervosismo crescente pairando no ar, como se algo pudesse acontecer a qualquer instante.
Mas é na figura de David Dastmalchian que o filme se sustenta de maneira acertada. Após tantos papéis menores em outras produções, o ator espelha seu personagem e agarra com todas as forças a oportunidade de brilhar. Ele faz de Jack na frente das câmeras do programa uma pessoa de fácil identificação, seja pela postura, o olhar, o tom de voz que alterna entre confiança e um certo desespero como se aquela fosse de fato sua última cartada. Já nos bastidores, vemos o outro lado do apresentador. Egoísta, manipulador e obcecado com os números acima do bem estar de seus convidados. Quando a contagem regressiva se inicia, esses dois lados se misturam naturalmente graças ao talento de David.
No entanto, de maneira surpreendente, quando todas as tensões criadas finalmente se chocam, “Entrevista com o Demônio” entra em colapso. Quase colocando a perder tudo que foi tão bem construído até o último ato. E não me refiro ao momento em que o filme abraça o terror propriamente dito. Por mais que entenda quem enxergue a mudança como algo muito brusco. Mas o maior pecado é justamente subestimar a inteligência do espectador. Aliás, algo muito comum em filmes de terror recentes. Quando a poeira baixa, o roteiro insiste em se explicar. Como se houvesse um mistério profundo a ser revelado quando na verdade todos os elementos estavam em tela.
“Entrevista com o Demônio” poderia se valer do sensacionalismo de seu programa ficcional mas prefere soar como apenas mais um documentário de true crime feito para alimentar o catálogo de um serviço de streaming. Não foi dessa vez que Jack Delroy voltou ao topo.