Entre Realidades é um das novas produções originais lançadas pela Netflix. O filme conta com a direção de Jeff Baena (A Comédia do Pecado) e é protagonizado por Allison Brie, que também está no roteiro junto do diretor.
O filme conta a história de Sarah (Brie), uma jovem introspectiva que trabalha em uma loja de tecidos e peças para artesanatos, e o drama está em volta de seus sonhos intensos, que passam a estar ligados à realidade do seu cotidiano.
A última vez que vi um trabalho da Alison Brie foi no seriado Community. E vê-la sair de um personagem de comédia para um drama foi uma surpresa muito boa – principalmente – em um personagem com a carga do adoecimento mental, que é algo que precisa de uma delicadeza imensa para ser passado ao público, sem ofender ou tomar direções erradas.
Entre Realidades me deixou satisfeita na forma como mostrou os sintomas delirantes e suas alucinações. Sarah começa a delirar em relação a clonagens, extraterrestres e abduções. Em toda a construção de seus delírios, é possível perceber que sua rotina é usada como referência, como tecidos, canos, o seu seriado favorito, cavalos etc. Objetos que vão reforçando sua crença fixa, imutável.
O interessante dessa personagem é que fica a brecha de que seu surto psicótico tem uma carga genética. Tanto a avó quanto a mãe de Sarah possuíam transtornos mentais, em que a avó também tinha sintomas delirantes e a mãe era possivelmente depressiva. Em relação ao desencargo dos sustos, é possível que a morte da mãe tenha acordado eventualmente essa predisposição genética. E isso me deixou bastante satisfeita, já que existem estudos de casos comprovando que a carga genética é uma das possíveis justificativas para um diagnóstico psiquiátrico.
Os delírios de Sarah são de perseguição e de referência, e ela acredita ter sido clone de sua avó ou até ser a própria, que viajou pelo tempo. Acredita, também, que o governo foi o responsável por fazer isso com ela e acaba possuindo um comportamento de hostilidade com os outros personagens com quem interage, principalmente seu interesse amoroso. E cada vez que eu assistia isso acontecendo no filme, mais me sentia inserida ali e a observando de perto, constatando que o filme teve muita delicadeza em expressar os sofrimentos da personagem.
Quando Sarah é internada por um momento, mais uma vez um assistente social aplica questionários e a acompanha. E eu preciso firmar mais uma vez; só quem faz psicoterapia é o psicólogo, o que me leva a uma curiosidade em relação ao sistema de saúde americano, pois é muito difícil esse personagem ser desempenhado por um psicólogo nos filmes que venho assistindo sobre saúde mental.
O filme não possui um fechamento em relação ao tratamento de Sarah, que é algo que não me incomodou tanto. Ele deixa claro como é o funcionamento da psique do sujeito com/em psicose. Você consegue entender que os delírios e alucinações estão para além de uma direção da personagem, que não é algo do qual ela possui controle. E que por mais que o senso comum não consiga ver essas ideias fixas, o sujeito psicótico acredita fielmente nelas. E o filme exemplifica isso muito bem.
Em uma discussão em âmbito acadêmico ou em uma roda de conversa, para quem tem curiosidade sobre o tema, Entre Realidades é um filme que pode muito bem estar presente e ser debatido.