Doutor Estranho é um filme mágico. E não digo isso apenas para gerar um trocadilho infame com os poderes de Stephen Strange, mas para afirmar que é diferente de tudo que foi produzido pela Marvel até o momento. Claro, a casca é semelhante ao que já estamos acostumados. Mas nesse caso é interior do longa que realmente importa. É uma produção sincera, que em nenhum momento tenta vender um peixe maior para o espectador.
Os trailers até passaram uma sensação diferente, de que veríamos um mega evento no cinema. Não é bem assim. Os efeitos especiais são belíssimos, do tipo que deixa até o marmanjo mais experiente da sala de queixo caído. É lindo ver Stephen viajando pelas dimensões do Multiverso, explorando em alguns segundos o que a maioria dos humanos nunca conseguirá sentir durante toda a vida. Utilizando todo o potencial da atual tecnologia, Doutor Estranho é deslumbrante, multicolorido e tudo mais que tenha direito.
Mas essa megalomania fica restrita ao visual e algumas cenas de ação. Enxergando além de cidades dobrando e dimensões espelhadas, o que temos é um filme pontual. Que sabe utilizar suas qualidades para maquiar os defeitos. Com todo o perdão pela comparação, é mais Homem-Formiga e menos Capitão América: Guerra Civil. Não que seja um demérito, longe disso. É bom, divertido e sem vergonha de ser feliz.
É uma história de origem padrão MCU, o que pode gerar as devidas comparações com o primeiro Homem de Ferro. Não é um crime falar isso, já que Stephen Strange tem seus momentos de Tony Stark. Milionário, famoso, bem-sucedido em sua área e com um ego do tamanho de Nova York. Até que um acidente o joga no fundo do poço. Se Stark apoiou-se na tecnologia para mudar seu futuro, Strange apela para a magia. E esse é ponto chave para o sucesso de Doutor Estranho.
Aliás, esse papel caiu como uma luva para Benedict Cumberbatch. Ele passeia com maestria entre as cenas de humor e os momentos de tensão. Tem uma pegada de seu Sherlock Holmes, tanto na arrogância e genialidade quanto nos comentários ácidos. Com um elenco tão recheado, Benedict tem que dividir os holofotes. Mas ainda sim fica claro que o palco é dele, com todo o merecimento. Lembra até um tal de Robert Downey Jr ¯\_(ツ)_/¯
Já entrando no campo do elenco, todos tem sua função. Tilda Swinton como Anciã tem uma presença imponente em tela, uma leveza misturada com um certo perigo. É a Maga Suprema, seja nos momentos de ensinamento ou nas cenas de luta. O Barão Mordo vivido por Chiwetel Ejiofor parece sempre em segundo plano, mas existe um motivo para isso. É o aluno experiente e poderoso, que segue todas as regras. Uma obediência inquestionável, que gera uma decepção profunda.
Mads Mikkelsen está num passeio no parque em sua atuação como o vilão Kaecilius. Apesar de suas motivações até serem aceitáveis, estamos diante de mais um inimigo desperdiçado. Mads trabalha muito bem o que lhe foi dado, mas o roteiro não ajuda. Kaecilius é o famoso vilão ponte, que serve de passagem para um inimigo muito maior. Quem sabe um dia a Marvel acerta a mão. Benedict Wong mostra porque é o ator favorito do momento para interpretar personagens asiáticos, o que passa a impressão de ele estar em todos os lugares. Já Rachel McAdams é a única deslocada ali. Mas como eu disse, todos tem sua função.
Doutor Estranho parece não gostar da fórmula padrão de filmes de super-heróis. As cenas de ação são lindas, mas não preenchem a tela durante as duas horas da produção. Existe espaço para questionamentos sobre a vida, o tempo, uma certa pegada filosófica. Um diálogo em especial entre a Anciã e Stephen resume bem esse outro lado do longa. É profundo e emocionante. Com uma leveza poucas vezes vista em outros filmes do MCU.
Ah, claro que tem piadinhas. Um caminhão delas, quer você goste disso ou não. É um humor repleto de referências da cultura pop, mas meio bobo em certos momentos. Invocando novamente o poder da comparação, é algo na pegada de Guardiões da Galáxia. Com aquele espirito dos anos 80, mas com pitadas de Beyoncé. Sabemos que não se mexe em time que está ganhando, mas em alguns momentos esse humor não encaixa. Quebrando alguns momentos essencialmente sérios.
Ainda assim não é nada que vá destruir sua experiência, dependendo do quanto você seja ranzinza. O humor é utilizado até na forma como o Doutor Estanho salva o dia, numa sacada bastante inteligente. Podemos até debater se a fórmula da Marvel está desgastada, mas não podemos negar o quanto é eficiente.
O trabalho do diretor Scott Derrickson é eficiente, mas longe de ser espetacular. Tendo uma carreira nos cinema de terror, ele se mostra surpreendentemente confortável aqui. O roteiro, que também tem a mão de Scott, tem seus deslizes. Mas é enxuto, entregando tudo que é necessário durante os 120 minutos.
Também tem espaço para referências e ligação com o MCU, algumas mais discretas e outras bastante escancaradas. Mas o importante é que Stephen Strange está longe da versão definitiva do Mago Supremo. Ele ainda precisa aumentar e controlar seu poder, o que indica que ainda vai errar muito no futuro. Provavelmente nem esteja totalmente preparado quando Thanos chegar, mas ainda é um reforço de peso.
Doutor Estranho é um filme mágico, nos mais variados sentidos que a palavra possa ter. Talvez nem leve o prêmio de melhor filme de super-herói do ano, mas algo me diz que ele não ficará triste com isso. O futuro da Marvel parece bem mais interessante com tudo que o Multiverso tem para oferecer, principalmente com esse toque de magia.