O cinema de Wim Wenders sempre explorou temas universais a partir de personagens comuns, e em Dias Perfeitos (Perfect Days, 2023), o cineasta alemão retorna a essa essência por meio de uma coprodução japonesa que conquistou reconhecimento internacional. O longa, que chega agora ao catálogo da Netflix, acompanha a rotina de Hirayama (Kōji Yakusho), um homem que trabalha na limpeza de banheiros públicos em Tóquio e encontra, na repetição do cotidiano, um sentido para sua existência. Confira a nossa crítica do filme:
A simplicidade como força dramática
O filme apresenta a rotina meticulosa de Hirayama: acordar ao amanhecer, cuidar das plantas, dirigir até o trabalho ouvindo fitas cassete, almoçar em restaurantes discretos e registrar árvores com sua câmera fotográfica. Essa repetição, longe de soar vazia, revela uma filosofia de vida centrada na atenção ao presente e na valorização do que parece banal.
A direção de Wenders encontra poesia nos detalhes, seja no reflexo das cores urbanas nas paredes metálicas dos banheiros, seja nos encontros inesperados que interrompem a rotina. A aparição da sobrinha Niko (Arisa Nakano) e, posteriormente, da irmã de Hirayama, abre espaço para questionamentos sobre seu passado e a razão de seu isolamento, mas sem entregar respostas definitivas.
Entre o urbano e a natureza: a estética de Dias Perfeitos
Um dos pontos mais marcantes de Dias Perfeitos é o contraste entre a tranquilidade da natureza e a intensidade da metrópole. As copas das árvores, registradas de baixo para cima, sugerem o fenômeno da “timidez da copa” — quando árvores crescem próximas, mas evitam se tocar. Essa metáfora se relaciona com a vida do protagonista, que mantém laços tênues, mas significativos, com o mundo ao redor.
A fotografia alterna entre os espaços verdes dos parques de Tóquio e os tons de neon da cidade, reforçando a dualidade entre introspecção e agitação. A trilha sonora, composta por fitas cassete de clássicos do rock e do folk, como The Velvet Underground, Patti Smith e The Kinks, complementa a atmosfera contemplativa.
A performance de Kōji Yakusho
O veterano ator japonês Kōji Yakusho dá vida a Hirayama com sutileza e profundidade. Sua interpretação transmite serenidade, mas também sugere mistérios ocultos. Premiado em Cannes por esse papel, Yakusho constrói um personagem que se conecta ao espectador pela empatia silenciosa, sem a necessidade de grandes diálogos ou explicações.
Mistérios e silêncios
Embora se concentre na rotina, o filme abre espaço para interpretações sobre o passado do protagonista. O diálogo com a sobrinha em torno de um livro de Patricia Highsmith e a chegada da irmã indicam possíveis rupturas familiares. Esses elementos funcionam como camadas adicionais, sugerindo que a escolha de Hirayama pela solidão pode ser tanto uma fuga quanto um gesto de aceitação.
Crítica: Dias Perfeitos é uma ótima opção de filme na Netflix
Dias Perfeitos é uma obra sobre o valor da vida cotidiana, construída a partir de pequenos gestos, imagens e sons. Wim Wenders encontra no Japão um cenário ideal para refletir sobre a passagem do tempo, a serenidade e a busca por significado em um mundo acelerado. A chegada do longa à Netflix amplia o acesso a um dos filmes mais comentados da temporada, oferecendo ao público a oportunidade de experimentar um cinema que enxerga grandeza no simples e no presente.