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Dia das Bruxas: de onde veio essa celebração?

A palavra Halloween é uma contração da palavra escocesa Allhallow-eve (A Véspera do Dia de Todos os Santos), uma celebração que, “coincidentemente” acontece em 1 de novembro, mesmo dia do Samhain. Poucas pessoas conhecem a “origem cristã” desse festival, feito para apagar as comemorações pagãs e torná-las algo para celebrar Deus e todos os santos. O que, obviamente, não deu tão certo, visto que as celebrações do Halloween continuam firmes e fortes, e as pessoas se lembram mais desse feriado do que da sua contraparte cristã.

Aqui no Brasil, dividimos seu nome entre o “original” Halloween e Dia das Bruxas, em que tentamos, de todas as formas, emular o que vemos nos filmes estadunidenses de vestir fantasias e pedir doces. Principalmente a parte da fantasia, pois quem não ama se fantasiar, não é mesmo?

A origem céltica: Samhain

Não se sabe exatamente como o Samhain (samh = verão, fuin = fim em irlandês antigo) era comemorado, apesar de haver inúmeras especulações sobre costumes como sacrifícios humanos. Os povos celtas – nome um tanto quanto que errado para se referir a vários grupos étnicos (Belgae, Cantii, Icini, Brigantes, Voconces, Arverni…) – não  utilizavam de um sistema de escrita para repassar as suas histórias, suas manifestações culturais eram transmitidas oralmente, o que fez com que muito se perdesse. Parte desse conhecimento deve-se às escavações arqueológicas e alguns raros materiais encontrados que teriam sido escritos posteriormente, após o domínio romano. Porém, saiba disso: praticamente tudo o que você entende como celta veio da visão dos gregos e dos romanos, que eram povos inimigos.

Ainda assim, usaremos a palavra “celta” para facilitar a vida de todos.

O povo celta era muito ligado à natureza em um sentido religioso. Não havia um panteão místico de deuses com hierarquia, como acontece, por exemplo, na mitologia grega, muito menos uma forma terrena ou uma representação humana de suas divindades. Seus deuses e suas deusas eram ligados a eventos naturais, todos seriam algo como metamorfos (shapeshifters), sem uma forma específica. Eles(as) moravam não no ar, mas na terra, nos rios, nas montanhas, na natureza, em geral. Os celtas  também acreditavam que as palavras ganhavam poder ao serem ditas, por exemplo, a poesia era uma forma de encantamento para eles, e por causa disso, bem, sabe aquela coisa que seu parente religioso sempre repete de não dizer o nome de Deus em vão? Pois é, os celtas acreditavam nisso. Os(as) deuses(as) não deveriam ser chamados(as) levianamente!

Suas divindades moravam em um lugar chamado Otherworld (Outro Mundo, em tradução livre), junto com outras criaturas mágicas poderosas. Esse outro mundo não somente ficava fora do nosso alcance, em paralelo, ele era intangível… Exceto em uma época específica do ano.

As cerimônias célticas comumente se concentravam na troca de estações do ano por causa da importância que tinham sobre a agricultura e a pecuária, mas somente duas delas eram relevantes: Beltane, que acontece no dia 1º de maio e marca o início do verão, e Samhain, que, ao contrário do que se pensa, acontece em 1º de novembro (e não dia 31 de outubro) e é o prelúdio para o inverno. Considerado o Ano Novo deles, começava assim que o Sol se punha, quando o dia virava noite. O festival servia para comemorar a última colheita do ano, assim como uma abundância temporária de comida e bebida. Além de outras coisas, claro. De certa forma, Samhain era uma espécia de festival pastoral de agricultura sazonal.

E era justamente nessa época, mais especificamente, nesses três dias de comemorações, que se acreditava que criaturas do Otherworld podiam escapar para o nosso, ou mesmo um desavisado poderia acidentalmente ir parar lá. O mundo dos mortos (Sidh – em irlandês) ficava aberto. Era necessário ter muito cuidado para não ser capturado por uma fada – sal e ferro evitavam as bonitas de chegarem perto – ou esbarrar em mortos que saíam de seu lugar de descanso. Por conta disso, quando anoitecia real oficial, muitos se trancavam em casa com medo!

Uma representação romantizada do que seria esse Otherworld está em uma obra famosa de Shakespeare: Sonho de uma noite de verão.

A chegada do catolicismo: All Saint’s, ou Dia de Todos os Santos

No século VII, a igreja católica já havia se espalhado por toda a Europa, e seus missionários tinham convertido com sucesso os povos que consideravam pagãos, como os celtas. Eles perceberam que essa mudança seria mais fácil se, ao invés de proibir, substituíssem aspectos culturais por alternativas “sugeridas” por eles, como, por exemplo, data de celebrações e toda a cosmologia da sua religião (podemos facilmente apontar aqui a troca que fizeram do panteão romano por Maria e os mártires). O Papa Gregório III, na metade do século VIII, mudou a data do Dia de Todos os Santos (All Saint’s), que era 13 de maio, para o dia 1 de novembro, numa tentativa de substituir uma comemoração por outra – e não deu certo.  Logo em seguida, criaram o All Soul’s (Dia de Finados), dia 2 de novembro.

Reza a lenda que o Dia de Finados teria sido criado em 998 d.c por Odilon, o Bispo de Cluny (um monastério na França), após ele ouvir falar de uma ilha que possuía uma caverna e que, da entrada desta, podia-se ouvir os lamentos de almas agonizando. A data serviria para os católicos rezarem pelas almas perdidas, como as da caverna.

De qualquer forma, a igreja sabia que eles não abririam mão de todos os seus costumes, e tentavam dar aquela misturada na simbologia e nas práticas exercidas durante essa data. Nessa época, os irlandeses (como passaram a ser denominados) acendiam suas lareiras para aquecer os espíritos e deixavam comida para eles também. Mesmo que, no geral, tais espíritos fossem considerados benignos, eles evitavam encontrá-los, pois sabe-se lá o que eles decidiram fazer no pós-morte, né!

Halloween: como o Samhain atravessou o oceano

Nos séculos XVIII e XIX, muitos irlandeses emigraram para os Estados Unidos (na época, ainda uma colônia inglesa), levando consigo seus costumes e suas tradições, incluindo a comemoração do solstício de inverno. Essa decisão drástica foi motivada por uma onda de miséria na Irlanda, com muita escassez de comida e parte da população tendo que decidir entre morrer ou emigrar. Para muitos, não era uma boa solução, e no novo país eles não possuíam recursos ou capital. Por sorte, a economia estadunidense estava em expansão e produzia altas demandas de trabalho – principalmente braçal. Sabemos, atualmente, que eles eram considerados párias, e como “monopolizavam” os empregos de baixo salário, iniciou-se um asco dos “nativos” aos imigrantes, naquela ladainha eterna de “eles estão roubando nossos empregos” que já ouvimos milhões de vezes.

Gostosura ou travessura (Trick or Treat) é uma frase ouvida à exaustão nessa época e está intrinsecamente ligada ao costume pagão de deixar comida para os espíritos não perturbarem a casa. No real oficial, ao invés de almas vagantes temos crianças travessas que recebem doces para não aprontarem. Também temos a famosa abóbora iluminada com um sorriso macabro, Jack O’ Lantern, cuja história atual nasceu de um conto do Samhain – criado já no pós-cristianismo -, em que um beberrão teria enganado o Diabo, e depois de morrer, nem céu nem inferno o aceitaram, obrigando-o a passar o resto dos seus dias assustando pessoas com uma lanterna, que lhe foi dada pelo próprio Satã.

Uma curiosidade: não existiam abóboras na Irlanda, então essa imagem macabra era esculpida em batatas ou nabos.

No início, esse festival se concentrava mais na comunidade irlandesa, mas houve um movimento norte-americano para que o feriado se tornasse algo mais familiar, algo feito para a comunidade de modo geral. Então, no início do século XIX, já tínhamos a celebração como uma festa para crianças e adultos se divertirem, com jogos, comidas específicas para a data e fantasias deixando seu tom religioso e místico para trás.

A ideia das fantasias, aliás, veio da crença céltica relacionada ao Otherworld, quando tinham medo de sair de casa e serem sequestrados por fadas ou outras criaturas que moravam nesse mundo paralelo. Para evitarem ser reconhecidos, usavam máscaras quando precisavam sair de casa à noite. Assim, os seres os confundiriam com companheiros do outro mundo e os deixariam em paz. Em adendo, também deixavam comida do lado de fora da casa como uma oferenda a esses seres, para que não sentissem vontade de entrar nas suas casas.

O Halloween também é muito ligado, atualmente, à ideia de bruxaria, gatos pretos, demônio. Durante séculos, a Europa viveu sob o escrutínio da caça às bruxas, em que muita gente morreu. Esse “costume” emigrou para o novo mundo, onde aconteceu um dos casos mais chocantes de bruxaria: Salem. Então, quando os irlandeses chegaram aos Estados Unidos com suas crenças pagãs, encontraram muita gente propensa a acreditar em bruxas.

Com essa integração de culturas, vários símbolos célticos foram ressignificados. Um exemplo: os druidas celtas acreditavam que gatos um dia foram humanos que reencarnaram naquele corpinho como punição. E os caçadores de bruxas acreditavam piamente que as bruxas se transformavam em gatos pretos (especificamente pretos). Junta as coisas e, voalá: bruxas e gatos pretos inseridos no Halloween com sucesso! Claro que não foi exatamente isso, mas, a grosso modo, foi.

Atualmente, essa celebração tornou-se a desculpa perfeita para cometer pequenos delitos fantasiados, comer muitos doces e curtir os inúmeros filmes de terror inspirados nessa celebração. Há inúmeras superstições ainda, ligadas ao feriado, todas formadas principalmente durante uma época nada bonita do mundo. Claro, tudo isso é apenas um resumo do resumo, bem espremido, para contar um pouco da origem desse dia.

O que muitos não lembram, na verdade, é que hoje, no Brasil, também é comemorado o Dia do Saci, ou melhor do Jaxy Jaterê. Quer saber mais? Manda aí nos comentários!

Mas e aí, você já sabia de tudo isso? Não sabia? Quer saber mais? deixa aí nos comentários!

REFERÊNCIAS

Santino, Jack. Halloween in America: Contemporary Customs and Performances (link)

Rogers, Nicholas. Halloween: From Pagan Ritual to Party Night. New York: Oxford University Press, Inc. 2002

Soares, André Luiz de Souza. Samhain ao Halloween: Da festividade céltica a comemoração americana. Cabo Frio, 2013. [Monografia]